Publicado originalmente

 

Por

DANIEL CORRÊA SZELBRACIKOWSKI

RODRIGO GABRIEL ALARCON

 

Há anos o Fisco e os contribuintes travam disputas judiciais em torno da inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS. O tema foi apreciado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, em março de 2017, que reafirmou seu entendimento1 de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS” (Tema nº 69).

 

Insatisfeita, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs embargos de declaração em que suscitou, dentre outros pontos, a necessidade de esclarecimento em torno de qual parcela deveria ser excluída da base de cálculo do PIS e da COFINS, se o resultado da incidência integral do ICMS destacado em nota fiscal ou se o imposto recolhido ao Estado após o resultado contábil-escritural de créditos/débitos.



O fato é que, a partir da tese de mérito fixada em sede de repercussão geral pelo STF, os Tribunais Regionais Federais passaram a reconhecer o direito dos contribuintes, sob fundamento constitucional. E isso independentemente da apreciação dos aclaratórios, pois, consoante firme entendimento jurisprudencial2, as teses fixadas em sede de repercussão geral podem ser aplicadas imediatamente a partir da publicação da ata de julgamento.

 

Inobstante, a Fazenda Nacional continuou apresentando Recursos Especiais para questionar à natureza do ICMS que deverá ser excluído das bases do PIS e da COFINS, sob a alegação de que o E. STF não explicitou qualquer razão técnico-jurídica-contábil para que o ICMS destacado na nota fiscal fosse o critério escolhido pelos tribunais3.

 

Tais recursos especiais têm sido inadmitidos pelos Tribunais Regionais Federais sob o fundamento de que a controvérsia, após julgamento do STF, passou a ser decidida com enfoque eminentemente constitucional, o que tornaria inviável sua análise em sede de Recurso Especial que possui fundamentação vinculada e se destina a garantir a autoridade da lei federal e não ao exame de questão constitucional.

 

Inconformada, a Fazenda Nacional vem apresentando Agravos em todos os Recursos Especiais. Diante da remessa desses recursos para o Superior Tribunal de Justiça, a Comissão Gestora de Precedentes, que atua no auxílio da Corte nas atividades de afetação e julgamento de matérias com potencial de representatividade ou com relevante questão de direito, qualificou e indicou quatro recursos especiais4, posteriormente distribuídos ao Exmo. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, como candidatos à afetação repetitiva.

 

No aludido despacho, o Exmo. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Presidente da citada Comissão, assentou que o Superior Tribunal de Justiça poderá até mesmo “entender que não compete a ele decidir questão decorrente de precedente firmado pelo STF”, evitando-se “a tramitação desnecessária de processos nas instâncias de origem e de recursos especiais e/ou agravos em recursos especiais nesta Corte Superior, que, invariavelmente, receberão a mesma decisão”.

 

Em que pese a qualificação dos recursos como representativos da controvérsia pela Comissão Gestora de Precedentes, parece-nos não haver espaço para decisão do STJ a respeito do tema – ao menos não neste momento – sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte.

 

Isso porque a temática relacionada à definição da parcela do ICMS que deve ser descontada da base de cálculo do PIS e da COFINS está submetida ao STF no âmbito da repercussão geral plasmada no RE-RG nº 574.706/PR. Isso é confirmado pelo fato de que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional apresentou embargos de declaração no referido processo cuja matéria afetada é absolutamente idêntica ao debatido nos recursos especiais.

 

Sob outro ângulo, verifica-se que a definição da parcela que deverá ser descontada da base de cálculo das contribuições constitui tema acessório ao principal já submetido ao STF a quem competirá “definir com a necessária acuracidade a extensão de seu julgamento, já que essa própria extensão está a depender de interpretação e compatibilização de temas constitucionais”5.

 

Nesse sentido são as últimas manifestações da Procuradoria Geral da República nos aludidos processos, nos seguintes termos:

 

“A questão de direito suscitada pela União nestes autos – definição sobre qual parcela do ICMS deve ser excluída da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, se a destacada na nota fiscal ou se a devida ao Estado –, envolve matéria constitucional.

 

Isso porque em sede de repercussão geral, ao julgar o RE nº 574.706/PR – Tema nº 69, o STF assentou a tese de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, entendimento que esse Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar e que amparou a fundamentação do acórdão atacado”

 

(…)

 

“Determinada a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições com fundamento na interpretação dos conceitos de faturamento e receita previstos no art. 195, I, da Constituição Federal conferida pelo Pretório Excelso no RE nº 574.706/PR, é inviável a apreciação da matéria em sede de recurso especial, sob pena de usurpação da competência atribuída ao Pretório Excelso”

 

(…)

 

“Ademais, o critério de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS – se o destacado ou a recolher – foi analisado pela Corte Suprema no julgamento do RE nº 574.706/PR. O entendimento fixado pelo STF foi o de que todo o ICMS incidente na operação não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins”

 

(…)

 

“A questão, portanto, não pode ser analisada por essa Corte Superior porque o aclaramento desse ponto – critério de exclusão do ICMS – pende de julgamento em embargos de declaração interpostos pela União no RE 574.706/PR e integra a matéria constitucional decidida pelo STF”6

 

Aliás, a afetação do tema à sistemática repetitiva, no âmbito do STJ, vai de encontro à posição sedimentada pelas duas turmas de Direito Público do próprio Tribunal.

 

Com efeito, a Segunda Turma do STJ recentemente assentou não ser possível o exame da questão atinente ao critério de cálculo do PIS e da COFINS (ICMS “a pagar” x ICMS “destacado”) em função de seu caráter eminentemente constitucional (AgInt no AREsp 1.507.003/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 10/09/2019), verbis:

 

“A Corte de Origem apenas aplicou o precedente ao caso concreto, interpretando-o consoante a sua compreensão dos parâmetros constitucionais eleitos pelo Supremo Tribunal Federal. À toda evidência, a Corte de Origem pode fazê-lo, já que não tem impedimento algum para exame de matéria constitucional. Já este Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, segue lógica outra: não cabe a esta Corte emitir juízo a respeito dos limites do que foi julgado no precedente em repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, colocando novas balizas em tema de ordem Constitucional”

 

“Por aí se vê que a questão da forma de efetivação do precedente é também constitucional e acessória ao pedido principal de exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS. Nessa toada, somente o Supremo Tribunal Federal poderá definir com a necessária acuracidade a extensão de seu julgamento, já que essa própria extensão está a depender de interpretação e compatibilização de temas constitucionais”.

 

No mesmo sentido, a Primeira Turma, também recentemente, compreendeu que a temática não comporta análise do Superior Tribunal de Justiça. Isso porque a jurisdição da Suprema Corte não foi exaurida ante a pendência de julgamento de embargos de declaração opostos RE-RG nº 574.706/PR (AgInt no AREsp nº 1.508.155/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, J. 17/09/2019). Referido entendimento já havia sido manifestado monocraticamente pelos Ministros integrantes da 1ª Seção do STJ, a exemplo da seguinte decisão, proferida pelo Exmo. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que afirmou não competir “ao Superior Tribunal de Justiça dirimir controvérsia em sede de Recurso Especial no pertinente à interpretação constitucional do referido RE 574.706 RG/PR, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal” (AREsp nº 1.543.720/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03/09/2019).

 

É preciso ponderar se as razões defendidas pela Fazenda Nacional para a afetação do tema à sistemática repetitiva não possuem, na verdade, o objetivo de indiretamente – por intermédio do STJ – retirar a eficácia do julgamento da Suprema Corte, proferido em sede de repercussão geral, mediante uma forçada suspensão da tramitação dos processos no Judiciário.

 

Afinal, é sabido que o Relator de recurso repetitivo pode, de acordo com o art. 1.037, II, do CPC, determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”. Nessa situação, teríamos a curiosa hipótese em que o STF, sob o prisma da repercussão geral, não determina a suspensão dos processos, mas o STJ assim o faz, a despeito de o tema estar submetido à Suprema Corte! Mais do que isso, a despeito de a matéria de fundo já ter sido decidida a favor dos contribuintes, após décadas de discussões judiciais!

 

Com todo o respeito à Fazenda Nacional, não procede a alegação de que, sem essa afetação repetitiva no STJ, os casos transitariam em julgado, o que impossibilitaria a discussão do tema na hipótese de eventualmente o STF recusar sua competência para tal exame. A ideia é falaciosa, pois é sabido que, além do recurso especial, a Fazenda tem rotineiramente apresentado recursos extraordinários nos processos que debatem o tema. E o recurso extraordinário, de acordo com o art. 1.033 do CPC, pode ser convertido em recurso especial, caso o STF, posteriormente, venha a entender que o tema demanda a interpretação de legislação infraconstitucional, verbis:

 

Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

 

Ainda que não houvesse a previsão expressa do art. 1.033 do CPC, seria possível que a Fazenda discutisse o critério de cálculo no âmbito das liquidações dos julgados, não havendo espaço, portanto, para o discurso que tem sido levado ao STJ para buscar a afetação do tema – eminentemente constitucional – à sistemática repetitiva.

 

Por fim, caso o tema venha mesmo a ser submetido a julgamento virtual no Superior Tribunal de Justiça, entendemos que, em homenagem à segurança jurídica (que busca evitar a prolação de decisões conflitantes) e à organicidade do Judiciário (arts. 92 e ss. da CF/88), deve ser fixada a tese de que é constitucional o debate em torno da definição sobre qual a parcela do ICMS deve ser decotada da base de cálculo do PIS e da COFINS.

 

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1 Por intermédio do Recurso Extraordinário nº 240.785 não submetido à repercussão geral, o STF assentou, em julgamento finalizado em outubro de 2014 ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

 

2 Reclamação nº 30.996/SP. Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJE nº 164, divulgado em 13/08/2018. No mesmo sentido: ARE nº. 930.647-AgR/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe: 08/04/2016; RE nº. 611.683-AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe: 01/09/2017.

 

3 Consoante sustentado nas razões do Agravo Interno da Fazenda Nacional interposto no Agravo em Recurso Especial nº 1.507.003

 

4 Recursos Especiais nºs. 1.822.251/PR, 1.822.253/SC, 1.822.254/SC e 1.822.256/RS

 

5 AgInt no AREsp 1.507.003/SC. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/09/2019

 

6 Trechos do parecer do Ministério Público Federal sobre a matéria apresentado no Recurso Especial nº 1.822.253/SC – Fls. 3/7.

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