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Por Thiago Hamilton Rufino

Como sabemos, a pandemia está levando a economia mundial a uma recessão, especialmente pela necessidade de adoção de medidas de isolamento para o combate à Covid-19.

Segundo especialistas, os danos causados pela doença já têm impacto maior do que a crise financeira ocorrida em 2008. A economia debilitada reduz a arrecadação de tributos por União, Estado e municípios, bem como a capacidade de geração de receita por pessoas jurídicas, endividamento bancário e alto número de desempregados. Por isso, se faz necessário um olhar especial para relações contratuais.

Podemos definir contrato, segundo o conceito de Clóvis Bevilaqua, como um acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. Em regra, a criação de contratos é “livre” desde que não contrarie os princípios gerais dos negócios jurídicos (agente capaz, objeto lícito possível ou determinável e forma prescrita em lei). As relações contratuais a cada ano são mais complexas, incorporando pactos de longa duração, cujo cumprimento perdura no tempo como, por exemplo: locação, empreitada, prestação de serviços, entre outros.

Nesses contratos (e em outros), eventos supervenientes podem causar modificações que inviabilizem o cumprimento das obrigações estipuladas na data de sua celebração, tais como alta do dólar ou do euro, aumento de tributos, pandemias etc.

Visando à manutenção ou rescisão contratual, a lei prevê as figuras de revisão e da resolução por onerosidade excessiva, que dependem de intervenção judicial ou arbitral para resolver o problema. Nada impede, também, que as partes em uma mesa de negociação concordem na revisão do contrato de forma amigável.

Na celebração do contrato, as partes têm liberdade para pactuar as cláusulas contratuais, observados os princípios de boa-fé que devem ser mantidos nas relações do contrato, estipulando vigência, duração, forma de pagamento, entre outros, e caso assim entendam podem incluir no documento hipóteses de sua revisão, o que pode evitar uma disputa judicial.

Um exemplo de contrato que poderia ser objeto de inclusão de uma cláusula de “hipóteses de revisão” é o de compra e venda de soja. O aumento da venda do grão para o mercado chinês fez o preço do produto disparar no Brasil e no mercado internacional, o que pode gerar prejuízo aos produtores rurais. Numa situação hipotética, as partes celebram um contrato de fornecimento de soja a partir da colheita fixando o preço no valor de R$ 80 cada saca de 60 quilos. Contudo, decorrente de eventos externos na hora da entrega dos grãos, o valor de mercado é de R$ 160. Os eventos externos acabam gerando um enriquecimento para o autor, causando perda financeiro ao produtor rural no percentual de 100% do valor do produto.

Diante desse evento externo de aumento de preço do produto por situações do mercado internacional, antes de buscar o Poder Judiciário ou arbitral para revisão do contrato, duas situações podem ocorrer, como destaca Francesco Galgano (2010, p. 580): 1) o próprio contrato prevê o dever de as partes renegociarem o contrato ou suas cláusulas na eventualidade de ocorrerem determinados eventos, ou, mais simplesmente ao atingir determinado preço. Com exemplo, no contrato de venda de soja, poderia ser estipulado uma hipótese de modificação do preço de venda, conforme variação cambial; 2) se não é prevista nenhuma cláusula de revisão no curso da execução do contrato, verificam-se eventos que modificam sensivelmente as situações de fato sobre a base na qual as partes contratantes haviam determinado o conteúdo do contrato.

Essa estipulação de cláusula de renegociação é utilizada em contratos internacionais por intermédio da cláusula chamada de hardiship, que é entendida como aquela que estabelece um dever de renegociar o contrato caso ocorra uma modificação substancial das circunstâncias, modificação que afeta o equilíbrio global do contrato.

Cabe deixar claro que a estipulação da cláusula de renegociação não exclui as medidas judiciais para discussão do contrato, seja com sua rescisão ou com eventuais modificações para manutenção do avençado entre os contratantes.

Por fim, destacamos que a obrigação de renegociação dos contratos pode ocorrer por força de lei ou por vontade entre as partes. Portanto, diante do cenário mundial, com o impacto da Covid-19, é recomendável que na celebração de contrato as partes avaliem a possibilidade de inclusão de cláusulas de renegociação em contratos de longa duração devido à ocorrência de eventos externos, tais como queda de faturamento da empresa, aumento da cotação de moeda estrangeira e crise econômico-financeiro, visando à manutenção da relação comercial e do equilíbrio entre as partes.

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Assista ao Minicurso gravado (06 de outubro a 27 de outubro de 2020): 

Perícia Judicial em Contratos Financeiros

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