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Os juros abusivos, as leis e o Judiciário
Publicado originalmente
Por Luciana Gouvêa
Nesta época do ano (Natal), é comum encontrar pessoas usando freneticamente seus cartões de débito e de crédito, algumas ainda assinando cheques, comprando o que é necessário e o que não é, sem atentar para as consequências do endividamento que será pago, depois, com os abusivos juros compostos, também chamados capitalizados, que incidirão não apenas sobre o valor principal e corrigido da dívida, mas também recairão sobre os juros que já haviam sido computados em cima do saldo ainda devido por quem pegou empréstimo.
A conta é mais ou menos assim: se R$ 100 são emprestados a uma taxa de juros capitalizados de 10% ao mês, ao final de um ano a dívida a ser paga custará R$ 313, equivalente a 214% do valor inicialmente emprestado; e, caso o empréstimo de R$ 100 perdure por cinco anos, serão devidos aproximadamente R$ 30 mil ao emprestador, ou seja. 30.348 %, devido à fórmula “mágica” dos juros compostos.
Fácil é notar que a multiplicação exponencial da dívida (“mágica” dos juros compostos) é absurdamente onerosa, constituindo verdadeiro enriquecimento sem causa para quem emprestou o dinheiro a juros compostos e amargo empobrecimento para quem está pagando essa dívida.
Vale esclarecer, entre as décadas de 80 e 90, quando houve hiperinflação (inflação de mais de 60% ao mês, chegando em 1989 ao cúmulo de alcançar 1.782,9% ao ano), havia alguma justificativa para os empréstimos a juros capitalizados, porque essa seria a forma de as instituições financeiras se protegerem do risco de emprestar dinheiro.
Acontece que desde 1996 a inflação vem se mantendo em aproximadamente 1% ao mês, atualmente (dezembro de 2021) está em 0,72%, o que impõe o fim da farra dos juros compostos, especialmente em se tratando dos bancos que, coincidentemente, estão cada vez mais lucrativos, mesmo em tempos de crise econômica e de pandemia.
E isso não era assim no Brasil de antigamente… Em 1850, o artigo 253 do Código Comercial proibia “contar juros sobre juros”; no início do século passado foi editada a Lei da Usura (Decreto 22.626/1933) extirpando os excessos e as abusividades praticadas na cobrança dos juros sobre os juros; no ano de 1963 o Supremos Tribunal Federal publicou a Súmula n°121 determinando que “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada” e, mesmo no tempo da ditadura militar, foi criada a Súmula 596 (STF-1976) discriminando que a Lei da Usura não se aplicaria mais às operações realizadas por instituições financeiras.
Em 1988, vivendo a democracia, tivemos a promulgação da atual Constituição Federal brasileira, apelidada de Constituição Cidadã, cujos fundamentos são a dignidade e o favorecimento da pessoa humana diante das relações jurídicas contratuais, o que acabou inspirando a edição do nosso Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/1990), cujo artigo 39 veda expressamente a exigência de vantagem excessiva das instituições financeiras, sendo nulas as cláusulas contratuais abusivas (Súmula 297/2004).
Apesar da nossa Constituição Cidadã, apesar das leis favoráveis à pessoa humana em detrimento das determinações abusivas contratuais, infelizmente, nos últimos anos as instituições financeiras vêm conseguindo decisões do Judiciário que tornam inaplicável a Súmula 121/STF (que veda o anatocismo) e o STF vem mantendo essas decisões.
A boa nova é que desde julho deste ano está em vigor a Lei 14.181/21, que inclui no nosso Código de Defesa do Consumidor (CDC), como Política Nacional das Relações de Consumo, o princípio da “prevenção e tratamento do superendividamento” para evitar a “exclusão social do consumidor” e garantir um valor “mínimo existencial” para o cidadão, inclusive, “por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas”, com ajuda do Poder Judiciário.
Com essa nova lei, um dos direitos básicos do consumidor agora é o da “garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento”; assim, ainda lembrando da nossa Constituição Cidadã, renovam-se as esperanças de que os julgadores voltem a fazer justiça para os consumidores, especialmente com relação ao pagamento de juros sem abuso, como manda a nossa Constituição!