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Fixação dos honorários advocatícios de sucumbência no processo arbitral
Publicado originalmente
Por José Rogério Cruz e Tucci
Tenho notado que a condenação relativa aos honorários advocatícios tem gerado algumas dificuldades práticas no âmbito do processo arbitral.
Acerca dessa temática, deve-se adotar como ponto de partida o disposto no artigo 27 da Lei n. 9.307/96, que tem a seguinte redação: “A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem…, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver”.
A primeira observação é a de que essa regra alude a “custas e despesas”, mas não a honorários advocatícios de sucumbência. Constituem verbas notoriamente distintas: de um lado, as “custas e despesas”, como, por exemplo, os “honorários dos árbitros”, e, de outro, os “honorários de advogado” decorrentes do êxito da demanda.
Nem mesmo a interpretação ampliativa, sugerida por Carlos Alberto Carmona, autorizaria o árbitro a fixar honorários sucumbenciais. Com efeito, referido especialista sustenta que o “custo do processo” abrangeria “tudo quanto foi despendido pelas partes por força das exigências do processo”, compreendendo, a seu ver, tudo quanto o vencedor “gastou para providenciar sua representação técnica” (Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, pág. 374).
Acolhido esse entendimento, o “custo do processo” incorrido pela parte vencedora e passível de reembolso poderia, quando muito, compreender os honorários contratuais que não se confundem com os honorários sucumbenciais, como deixa claro o artigo 22 da Lei n. 8.906/94.
Vale dizer, a relação entre advogado e cliente gera, no mais das vezes, honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia privada das partes da relação de confiança, enquanto que, no âmbito do processo judicial, emerge outra remuneração, atinente aos honorários de sucumbência. Ambas as espécies de honorários, convencionais (ou fixados por arbitramento) e de sucumbência são cumulativos e pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça.
Já os honorários de sucumbência são obrigatoriamente impostos ao vencido pela sentença judicial segundo os critérios legais (artigo 85, parágrafos 2º a 6º do Código de Processo Civil), mesmo sem pedido das partes, e devem ser pagos diretamente ao advogado do vencedor, visto que se trata de direito autônomo do causídico (cf. artigo 23 da Lei n. 8.906/94).
Essa distinção, como é curial, é igualmente traçada no âmbito da doutrina arbitralista, como se infere, v. g., do seguinte excerto de recente contribuição de Rafael Francisco Alves: “A diferença é relevante: no caso das verbas sucumbenciais, o árbitro condenará a parte sucumbente a pagar diretamente ao advogado da parte vitoriosa, ao passo que, no caso do reembolso dos honorários advocatícios, o árbitro condenará a parte sucumbente a pagar à parte vencedora, pois foi esta que teve o efetivo desembolso, devendo, assim, ser indenizada“ (Curso de arbitragem, obra coletiva, São Paulo, Ed. RT, 2018, pág. 274).
Assim sendo, para o reembolso dos honorários contratuais torna-se necessário que a parte deduza pedido expresso, com fundamento no artigo 389 do Código Civil, em consonância com a interpretação formulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se, a propósito:
“A previsão contratual de honorários advocatícios em caso de inadimplemento da obrigação decorre diretamente do artigo 389 do Código Civil, não guardando qualquer relação com os honorários de sucumbência” (AgRg no REsp. n. 1.312.613/MG, 3ª T., rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino);
“O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da possibilidade da inclusão do valor dos honorários contratuais na rubrica de danos materiais” (AgInt no AREsp. n. 809.029/SC, 2ª T., rel. min. Herman Benjamin).
É certo, pois, que a regra do artigo 27 da Lei de Arbitragem não se refere aos honorários sucumbenciais. Ademais, mesmo que se admitisse a abrangência implícita dos honorários contratuais em tal verba legal, a respectiva condenação à parte que foi derrotada dependeria de pedido expresso de quem se sagrou vencedor.
É dizer: se o litigante incluiu expressamente no termo de arbitragem o pedido de reembolso dos honorários contratuais por ele incorridos, caso vença a demanda, a parte que perdeu deve então ser condenada a reembolsá-los.
E a condenação em honorários de sucumbência?
Coerente com a premissa de que a arbitragem tem por fundamento a vontade das partes, deve-se considerar que a existência ou não de honorários sucumbenciais se subordina ao que foi pactuado na convenção arbitral e/ou no termo de arbitragem. Esse pressuposto é reforçado pela parte final do já transcrito artigo 27 da Lei n. 9.307/96 e, ainda, pelo artigo 11, inciso V, desse mesmo diploma legal.
Isso tudo significa que o princípio da causalidade recebe um diferente tratamento na seara do processo arbitral, não podendo, portanto, ser aplicado de forma automática. Se as partes não pactuam que a vencida se obriga a pagar o advogado contratado pelo litigante que venceu o processo, não são devidos honorários de sucumbência.
À falta de norma a respeito dos honorários sucumbenciais na lei específica, no regulamento da instituição arbitral, na cláusula compromissória e no termo de arbitragem, é de se indagar se o regime previsto no Código de Processo Civil poderia ser aplicado subsidiariamente.
Entendo ser negativa a resposta.
Excetuando-se os casos em que há disposição expressa sobre a aplicação do Código de Processo Civil à arbitragem (e. g.: artigos 14, 33, parágrafo 3º, 36 e 37 da Lei n. 9.307/96), será ele observado apenas em situações específicas de omissão da Lei de Arbitragem, como, por exemplo, as regras relativas ao litisconsórcio e à coisa julgada, que são absolutamente indispensáveis para qualquer processo jurisdicional. E, mesmo assim, devem ser elas adaptadas no que for cabível.
As disposições sobre honorários sucumbenciais não são indispensáveis, havendo sistemas que simplesmente não os preveem. Lembre-se que o artigo 64 do nosso Código de 1939, em sua redação original, anterior à Lei n. 4.632/65, previa pagamento de honorários sucumbenciais apenas quando a parte vencida tivesse agido com dolo ou culpa, instituindo verdadeira sanção aplicável ao comportamento incompatível com a boa-fé processual. Vale dizer: honorários sucumbenciais não são, a rigor, algo inerente e inexorável ao processo.
Nessa medida, não é de se espantar que a literatura especializada sobre o processo arbitral inadmite, de forma expressiva, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no tocante a honorários sucumbenciais: “as verbas de sucumbência, por se tratar de condenação autorizada pelo legislador processual civil e não prevista na Lei 9.307/96, não integra necessariamente o espectro do julgamento do Tribunal Arbitral e, por isso mesmo, só poderia ser fixada por força do princípio da autonomia privada, caso o compromisso arbitral assim dispusesse” (cf. Gustavo Tepedino e José Emílio Nunes Pinto, Notas sobre o ressarcimento de despesas com honorários de advogado em procedimentos arbitrais, Revista trimestral de direito civil, vol. 9, n. 34, Rio de Janeiro, abr./jun. 2008, pág. 43-50).
Esta é igualmente a opinião de Eduardo de Albuquerque Parente, ao afirmar: ”Quem deu causa ao processo, ou a determinadas consequências processuais, deve por elas arcar. No entanto, isso não quer dizer que se deva aplicar o Código de Processo Civil. Pelo contrário: ele não será aplicado” (Processo arbitral e sistema, São Paulo, Atlas, 2012, pág.296).
Há que se considerar ainda a hipótese da responsabilidade da parte que desiste da arbitragem, não só em relação aos custos do processo, mas, também, pelos honorários do advogado da outra parte, que condiciona a sua aquiescência ao pleito de desistência desde que sejam pagos os honorários de seu patrono. Aqui igualmente deve-se verificar o que as partes acordaram em momento precedente, se houve alusão à verba de sucumbência, então, ao ensejo da homologação da desistência e consequente extinção do processo arbitral, deve ser acrescida à condenação imposta à parte que desistiu os honorários de sucumbência. Não previstos no compromisso ou no termo de arbitragem, não serão eles devidos.
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