Conciliação é ferramenta para amenizar crise financeira

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Conciliação é ferramenta para amenizar crise financeira

Publicado originalmente

 

Por Leonardo Fernando Autran Gonçalves Uytdenbroek

O presente trabalho visa a analisar a Medida Provisória nº 899/2019 e a Portaria nº 11.956/2019, esta última expedida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que trata da possibilidade da solução de conflitos envolvendo devedores inscritos na Dívida Ativa da União. Em tempos de Covid-19, acredita-se que a referida portaria aumentará o consenso entre as partes, elevando a chance de êxito na resolução do conflito, possibilitando ainda o desafogamento das ações em trâmite no Poder Judiciário, além dar fôlego as empresas devedoras em momento de crise econômica.

 

 

Para tanto, antes de analisar a Medida Provisória e a portaria em voga, é necessário adentrar numa breve reflexão sobre o caminho da busca conciliatória no país.

A preocupação na busca da conciliação não é de hoje, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125/2010, já havia instituída a política nacional de tratamento adequado para solução de conflitos de interesses.

Foi um terreno fértil para que o legislador, na edição do Código de Processo Civil de 2015, tornasse o acordo entre as partes um dos principais pilares voltados a desobstruir o Poder Judiciário, elevando a conciliação, mediação e arbitragem a um patamar de modelo ágil e prático na busca de solução de conflitos das partes.

No início do Código, no artigo 3º, §2º, imediatamente podemos ver a abertura para o direcionamento na busca da solução consensual de conflitos. Nessa direção, o artigo 334 institui a audiência de conciliação como instrumento deflagrador de contato entre as partes no Poder Judiciário, devendo a parte sempre que possível conciliar e resolver o conflito na audiência preliminar conciliatória. De igual forma, o novel diploma processual, em seu artigo 190, abriu a brecha para as partes capazes realizarem negócio processual em direitos que admitam autocomposição, possibilitando mudanças no procedimento ajustando as especificidades da causa, convencionando ônus, poderes e faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo [1].

 

 

Essa linha de atuação foi seguida pela Fazenda Pública por meio da Lei nº 13.140/2015, que, em seu artigo 34, § 2º, estimula as partes e o Estado a chegarem numa autocomposição. Contudo, quadra recordar que durante esse procedimento conciliatório a prescrição permanecerá suspensa.

Nesse contexto, a Medida Provisória nº 899/2019, em seu artigo 1º, esclarece ser uma ferramenta de solução de conflitos, por meio de procedimento de transação resolutiva de litígio, possuindo respaldo no artigo 171 do Código Tributário Nacional.

Após alguns entes federativos editarem normas esparsas, porém, observando a legislação nacional supra referenciada, o chefe do Poder Executivo Federal, por meio de Medida Provisória, instituiu no âmbito dos créditos tributários “não ajuizados, sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; à dívida ativa e aos tributos da União, cuja inscrição, cobrança ou representação incumbam à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, nos termos do disposto no artigo 12 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; e no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, cuja inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria Geral Federal e aos créditos cuja cobrança seja competência da Procuradoria Geral da União, nos termos de ato do Advogado-Geral da União e sem prejuízo do disposto na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997″ [2]

 

 

A doutrina pontua que a autocomposição é sem sombra de dúvidas a forma mais eficaz e vantajosa de se obter sucesso no recebimento de créditos tributários. Vejamos o que pensa a jurista Betina Treiger Grupenmacher:

“Fato é que não apenas a transação, mas todos os demais instrumentos de solução de conflitos em matéria tributária, em especial a arbitragem, sempre foram obstados em razão da suposta agressão à indisponibilidade dos bens públicos e à Lei de Responsabilidade Fiscal, como também em razão da presunção de renúncia de receita que gerariam e, especificamente em relação à arbitragem, do fato de que a jurisdição é monopólio do Estado. Tais óbices foram, em certa medida, superados em âmbito federal com a edição: (i) da Portaria PGFN nº 742/2018 que instituiu o Negócio Jurídico Processual (NPJ); (ii) do Projeto de Lei nº 4.257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia, que busca implementar o instituto da arbitragem em matéria tributária; e (iii) da Medida Provisória (MP) nº 899/2019, que instituiu a transação para débitos federais, além da Portaria PGFN nº 11.956/2019 que a regulamentou” [3].

Assim, na deflagração de medidas mais enérgicas para concretização dos objetivos do texto legal da Medida Provisória em debate, o parágrafo primeiro antecipa ser um juízo discricionário da União a possibilidade de efetuar a transação com a parte adversa, utilizando-se dos atributos de oportunidade e conveniência. Contudo, o mesmo dispositivo atrela o acordo entre as partes ao interesse público, devendo o ato ser motivado.

O rol de abrangência de transação está descrito no artigo 2º do texto legal: “Artigo 2º — Para fins desta Medida Provisória, são modalidades de transação: I  a proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; II  a adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e III  a adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor”.

Para implantação da Medida Provisória acima, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editou a Portaria nº 11.956/2019, regulamentando a norma legal, trazendo as especificidades e pormenores dos casos práticos enfrentados pela Administração Federal no âmbito da Dívida Pública da União.

O primeiro ponto que chama atenção é que a portaria, em seu artigo 4º, § 1º, fixou o limite de dívida negociável, em patamar igual ou inferior ao valor de R$ 15 milhões. Isto é, apenas montantes que não ultrapassem a referida cifra poderão ser objeto de transação, nos termos da Portaria nº 11.956/2019.

Logicamente a norma regulamentadora estabeleceu que o limite estipulado deve ser considerado pelo quantitativo do somatório de todos os valores inscritos em Dívida Ativa da União em nome do devedor. Assim, não basta ter várias inscrições inferiores àquela cifra, o devedor para ser contemplado, deve possuir cifra inferior ou igual ao valor em destaque, desde que o somatório total de dívidas com a União não ultrapasse aquele limite imposto. Caso contrário, a transação somente será permitida de forma individual (artigo 4º, § 3º).

Outro ponto bastante comum nas transações diz respeito à renúncia do direito de discutir as dívidas transacionadas. Vejamos:

“Artigo 5º — Sem prejuízo dos demais compromissos exigidos em Edital ou na proposta individual, em quaisquer das modalidades de transação de que trata esta Portaria, o devedor obriga-se a: (…)

III  renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, incluídas as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea “c” do inciso III do caput do artigo 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil;(…)” [4].

Comumente, a prática de obter a renúncia do direito de discutir os débitos tributários é praxe adotada pelos entes federativos na instituição de parcelamentos e autocomposições com os devedores.

Apenas à guisa de reflexão, vale recordar que cerca de 39% das ações judiciais que tramitam no Poder Judiciário são execuções fiscais [5], abarrotando as prateleiras do Poder Judiciário e, o que pior, com a margem de pequena chance de êxito de créditos recuperáveis.

Noutras palavras, a judicialização não compensa para Fazenda Pública e tampouco para a sociedade, que arca com o pesado custeio da máquina pública e não obtém resultado útil, célere e eficaz de recuperação de créditos.

Daí surge a necessidade de aplicação ampla, e sem parcimônia, dos instrumentos conciliatórios legais disponíveis, como é a hipótese da Portaria nº 11.956/2019. Ainda mais em tempos de crise econômica vivenciada no país e no mundo.

O interesse em conciliar é mútuo, como do particular que obtém suspiro do fluxo de caixa, podendo parcelar um débito em inúmeras prestações, sem comprometer sua atividade e lucratividade, possibilitando inclusive a obtenção de certidão positiva de débitos com efeito negativo.

Por outro lado, a Administração Pública adquire uma recuperação de créditos que poderia não ser conquistada pelos meios judiciais antes aplicáveis no ordenamento jurídico, além de desafogar o Poder Judiciário, reduzir custos operacionais e possibilitar uma previsão de recebíveis, já que os instrumentos habituais se revelam pouco eficazes. Em suma, o instrumento de transação se revela plenamente viável para as partes envolvidas.

Sucede que a transação em debate possui alguns empecilhos, entre os quais podemos apontar o rol de exigências impostas pela Fazenda Nacional, entre as quais garantia real da dívida, garantias associadas aos débitos e pagamento de entrada mínima (artigo 7º da Portaria nº 11.956/2019).

 

 

Pode parecer fácil, mas nem todos os contribuintes possuem garantias reais, ou ainda, condições de injetar uma entrada antes da efetivação do parcelamento, o que pode gerar uma quebra de isonomia ao tratar os mais privilegiados, com vasto patrimônio, em condições desiguais de autocomposição. Noutras palavras, os pequenos empresários não serão contemplados pela portaria da PGFN. Entendemos que o poder público deve mudar seu entendimento nesse aspecto, abrindo possibilidade para os pequenos devedores, que não possuem garantias reais ou depósito de entrada do parcelamento tributário.

Outro ponto, e não menos importante, é o critério subjetivo de interesse público da Fazenda Nacional, aliás, não haverá de existir um padrão, de norte a sul do país e, ainda, situações análogas poderão ser eventualmente tratadas de forma absolutamente distintas. Basta uma regional entender que os descontos ofertados para determinado seguimento empresarial na região norte não é devido e, ao contrário, nesse mesmo seguimento exista um considerável desconto oferecido pela Procuradoria da Fazenda Nacional na região sul do país. Estaremos diante de uma clara ausência de critério, ou seja, perpassa por uma ampla subjetividade e insegurança jurídica, além de grave afronta ao princípio da isonomia tributária.

Dessa forma, a presente análise descreve as vantagens, viabilidade e principais dificuldades enfrentadas para aplicação da Portaria nº 11.956/2019, expedida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

 

 

Na ocasião vivenciada no país, em tempos de grave crise financeira agravada pela Covid 19, acreditamos que os critérios de ingresso nos programas de parcelamentos fiscais deverão ser claros, objetivos e que possibilitem não só às grandes, mas também às micro e pequenas empresas o ingresso no parcelamento tributário.

 

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm (5/4/2020)

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv899.htm (5/4/2020)

[3] https://www.conjur.com.br/2020-jan-06/betina-grupenmacher-fisco-contribuintes (7/4/2020)

[4] http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11.956-de-27-de-novembro-de-2019-230453307 (2/4/2020)

[5] https://www.editorajc.com.br/eficiencia-processual-e-recuperabilidade-do-credito-tributario/ (5/4/2020)

 

 

 

 

 

 

 

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