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A insegurança jurídica probatória no diagnóstico da embriaguez alcoólica
Publicado originalmente
Por Raissa Rachel Sturm
Com o advento da Lei nº 12.760/2012, foram provocadas diversas modificações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Uma dessas alterações foi no crime de embriaguez ao volante que criminaliza o comportamento de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Apesar do avanço da ciência médica a serviço do direito e a simplificação das formas de acesso às informações técnicas, com uma análise a doutrinas e casos práticos, nos é permitido vislumbrar muitos conceitos equivocados relacionados a comprovação efetiva do elemento central do tipo penal constante nesta conduta, qual seja, a capacidade psicomotora alterada.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) relaciona em seu artigo 277, de forma alternativa, os meios de prova admitidos.
Em complemento à Lei de Trânsito, a Resolução nº 432/2013 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Conforme essa Resolução, a confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor: exame de sangue que apresente resultado igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/L), teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro) com medição realizada igual ou superior a 0,34 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,34 mg/L), descontado o erro máximo admissível e verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor.
Além do disposto, a prova testemunhal, imagens e vídeos também poderão ser utilizados como fatores comprobatórios.
Sobre os sinais de alteração da capacidade psicomotora, dispõe o art. 5º da Resolução que eles poderão ser verificados por: a) exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou b) constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito. Importante destacar que o agente deverá considerar não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.
Por mais que o Direito disponha de uma série de elementos comprobatórios passíveis de utilização, logicamente, devemos interpretar essa gama de acordo com o tipo penal em concreto.
Aí que mora o problema. Considerando que a tipificação do delito de embriaguez alcoólica ao volante se dá com a efetiva alteração da capacidade psicomotora, o único meio assertivo de prova será a realização de exame clínico porque a verificação da alteração da capacidade psicomotora se dá pela observação das manifestações físicas, neurológicas e psíquicas que o álcool, ou qualquer outra droga de ação central, provoca no organismo.
Estes efeitos comprometem sensivelmente as tarefas mais rotineiras, desde um simples trabalho de coordenação até as que exigem um maior esforço mental. Fisiologicamente, o álcool atua como um anestésico, exercendo uma ação depressiva sobre o sistema nervoso central, daí surgindo as perturbações das funções nervosas.
A percepção destes fenômenos decorrentes da ingestão de álcool é de demasiada importância para constatar a embriaguez.
Com os testes de etilômetro e de alcoolemia, por exemplo, é possível aferir a dosagem alcoolica presente no organismo do condutor. Portanto, esses testes laboratoriais são meios de prova que estabelecem a concentração de álcool no organismo, mas não são capazes de avaliar eventuais alterações na capacidade psicomotora do motorista (BENFICA e VAZ, 2019).
Com a utilização de exame de alcoolemia, teste de etilômetro e demais meios de prova laboratoriais admitidos, tem-se uma mera presunção de que o álcool tenha alterado a capacidade psicomotora do condutor.
Segundo Genival França (2015), “qualquer valor numérico referente a uma taxa de concentração de álcool no organismo humano tem um significado relativo, devendo-se valorizar as manifestações apresentadas através de um exame clínico”. Essa referência é corroborada também por outros autores na literatura médico-legal (BENFICA e VAZ, 2019) (CROCE e CROCE JÚNIOR, 2012).
O exame clínico é o procedimento médico que, quando feito por médico perito, permite afirmar se há uma real alteração na capacidade psicomotora do indivíduo. Consiste na observação de algumas características clínicas subjetivas, incluindo as funções mentais relacionadas com a atenção, memória, capacidade de julgamento, raciocínio, afetividade e audição. O exame objetivo busca os sinais de embriaguez tanto neurológicos (marcha, reflexos, coordenação motora, fala, sensibilidade), quanto os físicos (soluços, vômitos, freqüência cardíaca alterada etc.).
E é somente com este tipo de prova pericial, uma avaliação clínica detalhada, que se alcança a eficácia necessária para um diagnóstico de embriaguez durante a apreciação do caso concreto, fornecendo assim à Justiça os subsídios necessários para a formação do convencimento e consequente decisão judicial.
A determinação do grau de uma embriaguez não depende do teor de álcool, no sangue ou no ar expirado, e tampouco da presença de uma substância psicoativa no sangue. Os comportamentos decorrentes do uso destas drogas depende principalmente do grau de tolerância individual. A tolerância, por sua vez, depende de muitos fatores tais como: idade, peso, nutrição, estados patológicos associados e habitualidade. Ou seja, uma mesma quantidade de álcool, por exemplo, pode ocasionar diferentes efeitos, dependendo exclusivamente das características ou situações individuais em que se encontre o bebedor (BENFICA e VAZ, 2019).
A embriaguez não se presume, se diagnostica. O diagnóstico da embriaguez alcoólica, uma vez que esta se manifesta pela ação tóxica do álcool sobre o organismo, é clínico.
Dessa forma, cabe ao acusador fazer a prova de que o condutor/acusado encontrava-se dirigindo veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada pela influência de álcool ou substância psicotrópica; provados estes dados, estará configurado o tipo penal.
REFERÊNCIAS
BENFICA, Francisco Silveira e VAZ, Márcia. Medicina Legal. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.
FRANÇA, Genival Veloso de . Medicina Legal. 10. ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2015.
CROCE, Delton e CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de Medicina Legal. 8. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2012.