Contratos de leasing e o valor residual garantido (VGR): Uma análise acerca da dissimulação da opção de compra

Publicado originalmente

Por Carolina Iarocrinski

O objeto do presente trabalho é o contrato de leasing e o valor residual garantido (VRG). Objetiva de modo geral uma breve análise acerca da regulamentação dos contratos de leasing no Brasil. Possuí como objetivo específico a explicação e a identificação legal da real função do valor residual garantido (VRG). Utilizar-se-á da técnica da pesquisa bibliográfica.

 

Sumário
1. Introdução; 2. Contratos de Leasing ou Arrendamento Mercantil; 2.1. Classificação Doutrinária; 3. Valor Residual Garantido; 4. Considerações finais, 5. Referências das fontes citadas.

 

1. Introdução
O contrato de leasing, tratado como contrato de arrendamento mercantil, oferece diversas vantagens às partes contratantes quando em comparação ao financiamento comum, como por exemplo a maior disponibilidade de capital de giro, posto que a contratação não integra o balanço patrimonial das empresas, e a possibilidade de pagamento das contraprestações com o produto do trabalho do próprio bem arrendado.

Diante dos benefícios oferecidos, recorrente tem sido a escolha por esta espécie contratual. Assim, interessante e necessária é a explanação das linhas gerais do contrato de leasing no Brasil, partindo-se de uma análise legal e doutrinária.

A pesquisa abrange também o instituto do valor residual garantido (VRG), a fim de explicar sua função e diferenciá-lo do ‘valor residual’, em virtude da confusão terminológica gerada, bem como demonstrar a atuação revestida de má-fé por parte de algumas sociedades arrendadoras, que buscam burlar o fisco e adquirir vantagens por meio da dissimulação da opção de compra.

2. Contratos de leasing ou arrendamento mercantil
Os contratos de leasing caracterizam-se pelo arrendamento de determinado bem, móvel ou imóvel, para pessoa física ou jurídica que dele necessite, mediante o pagamento de contraprestações periódicas. Venosa[1] traz a seguinte definição:

Trata-se, portanto, (o leasing) em sua veste mais comum, de contrato mediante o qual um agente, pretendendo utilizar coisa móvel ou imóvel, faz com que instituição financeira ou especializada o adquira, alugando-o posteriormente a ele por prazo certo, facultando-se-lhe ao final que opte entre a devolução do bem, a renovação do contrato ou a compra pelo preço residual conforme estabelecido.

Conhecidos no Brasil como contratos de arrendamento mercantil, são regidos pela lei 6.099/74, que veio a ser modificada mais tarde pela lei 7.132/83. A definição desta espécie contratual está prevista no artigo 1º, parágrafo único, da referida lei[2]:

Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.

De modo a especificar os sujeitos da relação contratual, o Conselho Monetário Nacional[3] dispõe, de maneira complementar, que as operações de arrendamento mercantil somente podem ser realizadas por pessoas jurídicas que tenham tal atividade como objeto principal da empresa, ou então, por instituições financeiras, devidamente autorizadas.

Do texto legal, então, extrai-se o entendimento de que nos contratos de arrendamento mercantil o poder de escolha do bem está sempre a cargo do arrendatário. Assim, a sociedade arrendadora ou a instituição financeira adquire para si o bem conforme as necessidades do arrendatário.

Quando do término do contrato, o arrendatário possuí três opções, as quais são determinantes do contrato de arrendamento mercantil: renovar o contrato, devolver o bem ao arrendador ou, ainda, efetuar a compra do bem. Assim ensina Wald[4] , o qual afirma que “(…) no leasing há mais do que uma locação, realizando-se na realidade, basicamente uma operação financeira que consiste na simbiose da locação, do financiamento e da venda”.

Dessa forma, cada uma das opções ao final do contrato tem o condão de gerar uma obrigação diferente, trazendo certa imprevisibilidade quanto ao desfecho contratual.

2.1. Classificação doutrinária
O contrato de leasing é considerado um contrato por adesão, no qual as cláusulas são elaboradas unilateralmente e devem ser aceitas, ou não, em bloco, pelo arrendatário.

Dentro das classificações doutrinárias dos contratos, ensina Oldoni[5] , que “pode-se classificar o contrato de arrendamento mercantil como sendo consensual, bilateral, oneroso, comutativo, por tempo determinado, de execução sucessiva”.

É consensual, pois se constituí mediante o consentimento e a vontade das partes, não por pura e simples força da lei; bilateral, pois que a espécie contratual impõe obrigações mútuas, para a arrendadora e para a arrendatária; e de execução sucessiva, pois caracterizado pelo cumprimento duradouro e periódico, tendo em vista o pagamento diferido das contraprestações.

Possuí onerosidade intrínseca, posto que os valores estipulados visam a satisfação do lucro e das despesas do arrendador, mediante contraprestações certas e determinadas pagas pela arrendatária e, diante disto, comutativo, visto que as partes podem antever a correspondência equilibrada de direitos e deveres previamente estipulados no contrato.

Por fim, é um contrato realizado por tempo determinado, conforme estipula o Conselho Monetário Nacional7:

Art. 8º. Os contratos devem estabelecer os seguintes prazos mínimos de arrendamento: I – para o arrendamento mercantil financeiro: a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens à arrendatária, consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimento da última contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual “ou inferior a 5 (cinco) anos; b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens;

3. Valor Residual Garantido
Como espécie contratual regida por lei, os contratos de leasing possuem especificações obrigatórias. Uma delas é o pagamento do valor residual garantido (VRG), realizado pelo arrendatário.

Cardoso[6] traz uma breve explicação acerca da função do valor residual garantido (VRG):

O VRG opera nas hipóteses em que o arrendatário devolva o bem ao final do contrato, não renovando o arrendamento e nem exercendo a opção de compra. Em qualquer destes casos, o bem será vendido a terceiros e poderá obter valor inferior ou superior ao quantum que arrendador e arrendatário acordaram como parcela final a ser recebida pelo primeiro ao término do arrendamento mercantil. Assim, se o valor obtido na venda for inferior ao quantum mínimo contratado, por força do VRG o arrendatário pagará a diferença; Se o preço de venda for superior, a garantia terá sido desnecessária.

Apesar de não estar prevista na lei que rege os contratos de arrendamento mercantil, a obrigação da observância ao pagamento do valor residual garantido (VRG) nos contratos de arrendamento mercantil está instituída desde 1984 por resolução do Conselho Monetário Nacional[7] :

Art. 9º. Os contratos de arrendamento mercantil devem ser formalizados por instrumento público ou particular, devendo constar obrigatoriamente, no mínimo, as especificações abaixo relacionadas: (…) g) as despesas e os encargos adicionais que ficarem por conta da arrendatária ou da entidade arrendadora, admitindo-se: (…) II – a obrigação da arrendatária de pagar, no final do prazo de arrendamento, um valor residual garantido, sempre que optar pelo não exercício da opção de compra;

 

Mais tarde, em 1996, o Conselho Monetário Nacional[8] trouxe em nova resolução a figura do VRG em semelhantes termos, mas com o adendo de que este pode ser pago em qualquer momento durante a vigência contratual.

A princípio, esta determinação gerou grande dúvida na área jurídica, tendo em vista a teoria de que o pagamento antecipado do valor residual garantido resultaria na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil para um contrato de compra e venda a prazo.

Entretanto, após muita discussão e confusão terminológica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[9] estabeleceu por entendimento sumulado que a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.

Neste ponto, é necessário salientar que devido à semelhança de denominações, o valor residual garantido (VRG) muitas vezes é erroneamente confundido com o que se conhece por ‘valor residual’ ou ‘preço residual’, sendo este último o valor a ser pago caso o arrendatário opte pela compra do bem.

Conforme ensina Rizzardo[10], “a opção de compra é estabelecida em favor do arrendatário, não ocorrendo o mesmo quanto ao valor residual garantido, que é uma quantia mínima que deve receber o arrendador”.

Enquanto o valor residual garantido (VRG) pode ser pago em qualquer momento durante a vigência do contrato, o valor residual estabelecido para a opção de compra do bem só pode ser pago ao final, raciocínio este que decorre logicamente das três opções que são oferecidas ao arrendatário somente ao fim do contrato.

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[11] no julgamento de um recurso especial, afirmando que “a opção de compra, com o pagamento do valor residual, ao final do contrato, é uma característica essencial do leasing. A cobrança antecipada dessa parcela, embutida na prestação mensal, desfigura o contrato, que passa a ser uma compra e venda a prazo”.

Em suma, o valor residual garantido (VRG) é uma garantia oferecida ao arrendador, um valor mínimo que será recebido caso o arrendatário opte por devolver o bem e o arrendador necessite vende-lo a terceiros. Este valor corresponde sempre ao saldo não depreciado do bem.

Conforme explana Oldoni[12], o valor residual garantido (VRG) pode ser pago ao fim do contrato. Assim, caso o valor de venda do bem a terceiro seja inferior ao VRG estipulado, pagará o arrendatário a diferença. Se for superior, o arrendador restituirá a diferença. Se for igual, estão quites.

Pode ser, também, pago antecipadamente, ou diluído nas contraprestações. Neste caso, se o valor de venda do bem a terceiro for inferior ao VRG, o arrendador fica com o valor deste e devolve o arrecadado na venda ao arrendatário. Se o valor for maior ou igual ao VRG estipulado, o arrendador fica com o valor arrecadado na venda e devolve o valor do VRG ao arrendatário.

Posto isto, diante da possibilidade de pagamento antecipado do valor residual garantido (VRG) e da confusão realizada entre este e o valor residual, explanada anteriormente, muitas empresas aproveitam-se para cobrar o valor residual antecipadamente, a título de VRG, com o objetivo de burlar o fisco. Sobre o valor residual garantido (VRG) não há a incidência de imposto[13], enquanto que sobre o valor residual sim. Sobre tal desvirtuamento do contrato explana Oldoni[14]:

Portanto, para não pagar imposto de renda, o valor é chamado de VRG, porém, ao final do contrato, para impor ao arrendatário a opção de compra do bem, até porque as arrendadoras não querem a restituição do mesmo, qualificam aquele valor como opção de compra, driblando, assim, a incidência do imposto de renda neste montante.

Assim, a sociedade arrendadora pode revestir-se de má-fé e prejudicar o arrendatário que, atingido o termo do contrato, não possuí outra escolha senão a da opção de compra, tendo em vista que o valor foi pago antecipadamente, bem como prejudicar o fisco mediante a dissimulação da opção de compra em VRG.17

4. Considerações Finais
O objetivo do artigo foi realizar uma breve análise acerca dos contratos de leasing no Brasil e a obrigação de se observar o pagamento do valor residual garantido. Constatou-se, no decorrer da pesquisa que existe uma confusão terminológica entre dois termos semelhantes, o valor residual garantido (VRG) e o valor residual (ou preço residual).

Constatou-se, ainda, que nos contratos de arrendamento mercantil, por estarem caracterizados como contratos por adesão, permite-se que o arrendador redija as cláusulas conforme própria conveniência, fazendo-se valer da confusão terminológica explicitada e da provável ignorância do arrendatário acerca desta questão, obrigando o arrendatário pela escolha da opção de compra ao final do contrato, desvirtuando totalmente o sentido do arrendamento mercantil.

Diante de tais considerações, espera-se com o presente artigo esclarecer a função real do valor residual garantido (VRG) nos contratos de arrendamento mercantil, a fim de demonstrar seu possível desvirtuamento de modo a cientificar o leitor, bem como fazê-lo refletir acerca da extensão da liberdade contratual.

4. Referências das fontes citadas
BRASIL. Lei nº 6.099. Dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências. Brasília, 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6099.htm>. Acesso em: 06 set. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 178.272. Rio Grande do Sul: Superior Tribunal de Justiça, 1999.

BRASIL. Súmula 293. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2004.

CARDOSO, Jorge. Aspectos controvertidos do arrendamento mercantil. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução nº 2.309. Brasília, 1996. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo .asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/45787/Res_2309_v5_P.pdf>. Acesso em: 06 set. 2017.

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução nº 980. Brasília, 1984. Disponível em:<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1984/pdf/res_0980_v12_L.pdf>. Acesso em: 06 set. 2017.

LEASING, Associação Brasileira das Empresas de. Guia prático do Arrendamento Mercantil: tudo o que você precisa saber sobre leasing. Disponível em: <http://www.leasingabel.com.br/site/Adm/userfiles/guiapratico.pdf>. Acesso em: 06 set. 2017.

OLDONI, Fabiano. Arrendamento Mercantil Financeiro: As consequências do pagamento antecipado do Valor Residual e do Valor Residual Garantido. São Paulo: Bh Editora, 2006.

RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no Direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Manual dos Contratos e Obrigações Unilaterais da Vontade. 1a. edição, São Paulo: Ed. Atlas, 1997.

WALD, Arnoldo. A introdução do Leasing do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais.

 

[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Manual dos contratos e obrigações unilaterais da vontade, p. 407.

[2] BRASIL. Lei nº 6.099/74, artigo 1º.

[3] BRASIL. Resolução nº 2.309/96, artigo 1º.

[4] WALD, Arnoldo. A introdução do Leasing do Brasil, p. 11.

[5] OLDONI, Fabiano. Arrendamento Mercantil Financeiro, p. 27. 7 BRASIL. Resolução nº 2.309/96, art. 8º.

[6] CARDOSO, Jorge. Aspectos controvertidos do arrendamento mercantil, p. 73-74.

[7] CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução nº 980/84, art. 9º.

[8] CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução nº 2.309/96, art. 7º.

[9] BRASIL. Súmula 293 do Superior Tribunal de Justiça.

[10] RIZZARDO, Arnaldo. Leasing, p. 84.

[11] BRASIL. Recurso Especial nº 178.272-RS de 18/03/1999.

[12] OLDONI, Fabiano. Arrendamento Mercantil Financeiro, p. 43.

[13] BRASIL. Lei nº 6.099/74, art. 12.

[14] OLDONI, Fabiano. Arrendamento Mercantil Financeiro, p. 71. 17 OLDONI, Fabiano. Arrendamento Mercantil Financeiro, p. 72.

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