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Qual o índice de correção monetária dos débitos trabalhistas?
Publicado originalmente
por NADIA DEMOLINER LACERDA
Deve ser aplicada a TR ou o IPCA-E? Há alguma modulação?
Há muitos anos que o Brasil enfrenta um ambiente de grande insegurança jurídica sobre qual deve ser o índice de correção monetária para atualizar os créditos decorrentes de condenações judiciais trabalhistas. A resposta mais lógica deveria ser a que identifica a Taxa Referencial (TR) como índice de correção, na medida em que foi estipulada pela Lei nº 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), que acrescentou o § 7º ao artigo 879 da CLT.
Entretanto, a nova legislação não resolveu o debate jurisprudencial que teve início com a promulgação da Emenda Constitucional nº 62/2009 que, tratando do regime especial de pagamento de precatórios por Estados, Distrito Federal e Municípios, passou a dispor que a atualização dos valores de requisitórios seria feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança – a TR (artigo 100, §12º, da Constituição Federal).
Acontece que o dispositivo foi objeto de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) perante o Supremo Tribunal Federal[1], tendo o STF firmado posicionamento (em meados de 2015) de que é inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” contida na referida norma, porquanto a TR não recompõe as perdas inflacionárias no tempo. Na prática, sendo a inflação maior do que a correção do crédito a ser pago, o dinheiro “perde o seu valor” com o transcurso do tempo, na medida em que há redução do poder de compra que determinado montante de dinheiro efetivamente representa.
Aliás, a Suprema Corte também pontuou naquela ocasião que a expressão fere o princípio constitucional da isonomia, por impor “restrição desproporcional ao direito de propriedade” já que os créditos devidos pela Fazenda (precatórios) seriam corrigidos por índice (TR) muito inferior àquele aplicável aos créditos devidos à Fazenda (Selic ou IPCA-E).
Importante registrar que as decisões proferidas em ADI possuem efeito retroativo (ex tunc) e vinculante (devem ser obrigatoriamente observadas e seguidas por todos os ramos do Poder Judiciário e demais órgãos da Administração Pública), cabendo ao STF, entendendo pertinente, modular seus efeitos.
Entrementes, a modulação dos efeitos daquela decisão foi recentemente debatida pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947, ocorrida em 3.10.2019, ocasião em que os Ministros, por 6 votos a 4, decidiram pela não modulação dos seus efeitos, mantida, assim, a inaplicabilidade da TR para todas as ações não transitadas em julgado anteriores a 2009 – data da promulgação da EC nº 62/2009.
Mas aí você nos perguntaria: o que tudo isso tem a ver com os créditos trabalhistas, já que todas as decisões foram proferidas com relação a uma emenda constitucional sobre precatórios e, a todo tempo, trata exclusivamente dos créditos fazendários?
Pois bem. A legislação trabalhista (especificamente o artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, que dispõe sobre regras de desindexação da economia) determinava que a correção dos créditos trabalhistas fosse feita utilizando-se a TRD – que nada mais é o que o índice TR em medição diária. Acontece que tudo corria bem até que, diante das decisões proferidas pelo STF nas ADIs supra mencionadas, o Ministro Cláudio Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho, entendeu por bem suscitar, no âmbito daquela Corte, arguição de inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, originária de certo processo judicial em que se discutia qual o índice de correção monetária seria aplicável ao pagamento do débito trabalhista.
Assim, o Plenário do TST votou e, em decisão por arrastamento, estendeu a inconstitucionalidade declarada pelo STF ao artigo 39 da Lei 8.177/1991 (agosto de 2015). O argumento foi no sentido de que, tal como ocorre nos créditos fazendários, a correção pela TR dos créditos trabalhistas também fere o direito de propriedade do trabalhador, justamente porque a TR não acompanha a inflação e acaba por reduzir o poder de compra de determinado montante.
Além disso, o TST entendeu por bem modular os efeitos da decisão, fixando como marco inicial para incidência do IPCA-E o dia 25.3.2015 – marco da inconstitucionalidade do § 12º do artigo 100 da CRFB assim pronunciada pelo STF.
Para complicar, a decisão do TST foi objeto de questionamento perante o STF, por meio de Reclamação Constitucional (remédio utilizado para suscitar a nulidade de decisões judiciais ou atos administrativos contrários às decisões e/ou súmulas vinculantes do STF, entre outras hipóteses) – RCL 22012. Naquela oportunidade, em decisão liminar (outubro de 2015), o Ministro Dias Tofolli entendeu por bem suspender os efeitos da decisão do TST, por entender que extrapolaria o entendimento adotado pelo STF para o julgamento das ADIs, uma vez que a decisão da Excelsa Corte (sobre precatórios) não abrangia a hipótese adotada pelo TST (sobre créditos trabalhistas).
Todavia, no julgamento de mérito da Reclamação Constitucional 22012 (dezembro de 2017), a 2ª Turma do STF reverteu a decisão liminar, julgando a Reclamação Constitucional improcedente, por entender, com base em decisões anteriores do próprio Supremo, que as decisões que determinam a utilização de outro índice que não a TR não estão englobadas pela decisão do STF nas ADIs.
Assim, uma vez não invalidada[2] a decisão do TST quanto à inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, estaríamos seguros quanto à aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária.
Porém, recentemente, surgiu nova controvérsia sobre o tema quando, em novembro de 2017, entra em vigor a Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”) que determina que sejam os créditos trabalhistas corrigidos pela TR (CLT, artigo 879, §7º).
Feita a necessária contextualização do tema, passemos às respostas do leitor:
(i) Qual o índice de correção monetária dos débitos trabalhistas?
Apesar dos diversos debates sobre a temática, nos parece que o índice correto é a TR, por força das alterações trazidas pela Lei da Reforma Trabalhista, exceto se sobrevier uma futura decisão de inconstitucionalidade do §7º do artigo 879 da CLT, uma vez que está pendente de julgamento a ADI 5.867 ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Vale observar que, embora o artigo 879, §7º, da CLT, faça referência ao artigo 39 da Lei 8.177/1991 – este sim declarado inconstitucional pelo TST – ainda há espaço para questionamento acerca da inconstitucionalidade sobre:
possível usurpação de competência do TST em declarar a inconstitucionalidade de dispositivo de Lei Federal (argumento este inclusive suscitado pelo Ministro Gilmar Mendes do STF no julgamento da RCL 22102, ainda que vencido); e
a superveniência de dispositivo legal de observância obrigatória, hierarquicamente superior às decisões do TST.
(ii) No caso, meu processo teve início em 2007, sem trânsito em julgado. Deve ser aplicada a TR ou o IPCA-E?
A nosso ver deveria ser aplicada a TR, pois era o índice de correção monetária válido à época. Ademais, mesmo que sobrevenha decisão de inconstitucionalidade do §7º do artigo 879 da CLT – que determina a aplicação da TR como índice de correção monetária – ou que, por outra manobra processual, seja cassada a decisão proferida em grau de arguição de inconstitucionalidade pelo TST, é certo que as futuras decisões, quaisquer que sejam, não deverão afetar os atos jurídicos perfeitos e as decisões transitadas em julgado.
(iii) Há alguma modulação? Ainda, posso usar a decisão recente do STF que determinou aplicação do IPCA-E desde 2009 para precatórios?
Sim, a nosso ver é possível que haja modulação de efeitos. Contudo, nos parece que são pequenas as chances de êxito na aplicação do IPCA-E desde 2009 para o seu caso. Em nosso sentir, na hipótese de se consagrar o entendimento de eventual inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei 8.177/1991 e do §7º do artigo 879 da CLT, haverá nova deliberação sobre a modulação dos efeitos da futura decisão, exatamente como feito em 3.10.2019 pelo STF com relação às decisões em ADIs sobre o índice de correção monetária dos precatórios.
Nesse cenário, é muito provável que a parte contrária, no seu processo, deva estar agora refletindo sobre um dos seguintes caminhos a tomar para contingenciar o risco e provisionar o valor final que irá lhe pagar, assim como nos demais processos que eventualmente estiver enfrentando:
Revisará a provisão aplicando o IPCA-E, a partir de 2009, o que não é uma tendência que vem sendo seguida pelo mercado, pois além de ser o pior cenário de avaliação, traz consequências dramáticas nos resultados das empresas, afetando significativamente a rentabilidade, a distribuição de dividendos aos acionistas, bem como a participação em lucros e resultados, portanto, não conte com isso.
Continuará a defender nos processos trabalhistas a aplicação da TR, face a ausência de sua inconstitucionalidade para a atualização dos débitos judiciais geral, confiando que essa posição mais arrojada possa encontrar o apoio na jurisprudência pós lei reformista, o que é a opção mais provável.
Revisará preventivamente a provisão interna para a atualização dos débitos judiciais, aplicando, doravante, o IPCA-E, mas continuará a defender judicialmente a aplicação da TR, até que sobrevenha decisão que uniformize e estabeleça a modulação em relação ao tema.
Essas eram, portanto, as considerações que nos pareceram mais relevantes sobre o tema para o momento.
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[1] ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425.
[2] É importante destacar que o STF não validou o entendimento do TST quanto a inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei 8.177/1991, pontuando somente que a fixação de outros índices que não a TR não estaria abrangida pela decisão do STF nas ADIs sobre os índices de correção dos precatórios.
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