Publicado originalmente

Por Kênio de Souza Pereira

 

Um imóvel comprado na planta, se não for entregue no prazo contratado, o comprador terá direito a receber o que pagou, devidamente corrigido e acrescido de multa rescisória, quando a culpa for da construtora, certo? Nem sempre, pois mediante as cláusulas contratuais maliciosas há construtora ficando com o dinheiro dos compradores sem entregar o apartamento ou a unidade hoteleira, ao impor o julgamento da rescisão por meio de determinadas câmaras arbitrais.

Para que seja realizada a arbitragem para romper um contrato do apartamento de R$ 400 mil, de maneira que o comprador obtenha a devolução de R$ 220 mil, o custo cobrado para o julgamento por meio de três árbitros é de R$ 174 mil na Câmara Arbitral de São Paulo, escolhida “a dedo” pela construtora. Isso visa impedir o acesso ao Poder Judiciário com o propósito de garantir que a construtora desapareça com os recursos que deveriam ser aplicados no empreendimento.

A arbitragem foi criada para favorecer a desobstrução da Justiça ao gerar solução mais rápida dos conflitos, e, por isso, não desperta desconfiança. Mas há construtora com má-fé que se aproveita para estipular três árbitros em Câmara de Arbitragem em outro estado, de maneira a gerar custos tão elevados que acabam favorecendo indevidamente o incorporador, construtor ou loteador inadimplente.

A construtora tenta forçar a vítima a desistir de exigir a devolução do crédito ao lhe impor determinada Câmara Arbitral de altíssimo custo, além dos gastos com os honorários de advogado, passagens aéreas e hospedagem, sua e das testemunhas, para receber seu dinheiro da construtora que não concluiu a obra.

O comprador, para não ter prejuízo acaba distribuindo o processo na Justiça Comum, mas a construtora, ao contestar, alega que o Poder Judiciário é incompetente para julgar sua ação. Há decisão judicial, apesar de minoritária, que determina que cabe somente à Câmara Arbitral julgar o processo, ignorando os altos custos que isso envolve. A construtora aposta no magistrado sobrecarregado com milhares de processos, que sem condições de refletir, não percebe que essa competência eleita no contrato se tornou uma ferramenta a favor de vantagens ilícitas ou o lucro com o golpe de desviar o dinheiro do empreendimento. A construtora afronta o patrimônio de afetação, pois os recursos dos compradores e os empréstimos contraídos com bancos devem ser aplicados somente na obra vinculada ao crédito.

O mercado imobiliário aprendeu sobre essa prática maliciosa de algumas construtoras com o inédito processo criminal (nº 0913141-93.2016.8.13.0024), tendo o TJMG, publicado em 25/01/18 no seu site a notícia: “TJMG Aplica Medidas Cautelares a Empresários”, buscando dar ampla divulgação para que as pessoas busquem assessoria jurídica antes de assinarem contratos.

No julgamento realizado pelo TJMG, no dia 26/08/20, contra incorporadora e construtora que não entregaram mais de 400 unidades hoteleiras em BH que deveriam estar funcionando desde mar/2014, a 12ª Câmara Cível rejeitou o argumento dos réus de que o Poder Judiciário é incompetente para julgar tais processos. Entenderam, em favor do comprador, que “ser pretenso investidor não afasta a sua qualidade de consumidor e a incidência do Código de Defesa do Consumidor”. O acórdão ressaltou a decisão do Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.189.050, da 4ª Turma, que “não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e o art. 4º, §2º da Lei n. 9.307/96”

Na arbitragem não é possível consultar os processos para saber previamente sobre as lesões provocadas por essas construtoras, já que não há publicidade de seus atos. Esse sigilo contribui para o desconhecimento dessas práticas ilícitas.

Os magistrados estão alertas sobre o uso imoral da cláusula arbitral que trava milhares de processos mediante os agravos e recursos das construtoras, que argumentam que os Tribunais de Justiça e o STJ não podem julgar esses processos.  Acertadamente, os magistrados têm rejeitado a arbitragem, pois percebem que a “cláusula arbitral” foi inserida no contrato sem o comprador perceber, o que a torna nula por ferir o art. 4º da Lei 9.307/96, o CDC e a boa-fé.

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