Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
Share on pinterest
Pinterest

Ação anulatória de sentença arbitral

Publicado originalmente

 

Por DANIEL BRANTES FERREIRA e EUCLIDES DE ALMEIDA SILVA FILHO

 

Análise doutrinária e empírica da jurisprudência do TJSP e do TJSC entre 2015 e 2019

 

1. Introdução

Com a disseminação da cultura das soluções adequadas de conflito (arbitragem e mediação) e com as vantagens (confidencialidade, eficiência e especialidade dos árbitros) da arbitragem cada vez mais perceptíveis pelos usuários da engarrafada justiça estatal aumentam o número de procedimento arbitrais nas câmaras nacionais e, por conseguinte, o número de sentenças arbitrais[1].

Nesse sentido, torna-se relevante a análise das ações anulatórias de sentenças arbitrais que tramitam no Poder Judiciário de forma qualitativa e, principalmente, quantitativa. Eis a proposta deste artigo.

 

A análise doutrinária circunscrever-se-á a análise dos aspectos mais relevantes da ação anulatória, sem perspectiva de esgotamento do tema, e dos incisos do artigo 32 da Lei 9307/96, que cuidam das hipóteses de invalidação (nulidade absoluta e relativa) da sentença arbitral.

Por fim, serão apresentados resultados de pesquisa empírica fruto de análise de ações anulatórias que tiveram decisões proferidas em segunda instância pelos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e Santa Catarina, durante o quinquênio 2015-2019. O foco foi a verificação da incidência das hipóteses de nulidade da sentença arbitral previstas nos incisos do artigo 32 da Lei de Arbitragem.

2. Sobre a ação anulatória de sentença arbitral

A Lei 9307/96, em seu artigo 33, com nova redação dada pela Lei 13129/15, prescreve a ação anulatória de sentença arbitral, nos seguintes termos: “Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei”.

O §1º do dispositivo supra aduz que o objeto da ação anulatória poderá ser sentença parcial ou final, sendo que o trâmite processual seguirá as regras do procedimento comum previsto no Código de Processo Civil e será interposta no prazo de 90 dias após a notificação da respectiva sentença ou da decisão do pedido de esclarecimentos.

A natureza do prazo para a propositura da ação é decadencial e sua observância só será obrigatória se o vício da sentença arbitral não decorrer de violação à ordem pública, ou seja, se o vício for de nulidade relativa, pois, do contrário, o prazo para a propositura da ação é imprescritível (hipóteses de nulidade absoluta).

Por ser decadencial, o prazo não está sujeito às interrupções dos artigos 207 e 211 do Código Civil. Caso haja a oposição de “embargos declaratórios arbitrais” ou os “recursos internos do procedimento arbitral”, haverá a interrupção do prazo para a propositura da ação anulatória, sendo que os prazos poderão transcorrer autonomamente para cada uma das partes, a depender da utilização destes meios.

Tem-se, portanto, que a ação anulatória de sentença arbitral é uma ação autônoma que visa anular a sentença arbitral. Essa nulidade ocorrerá diante das situações do art. 32 da Lei de Arbitragem.

Se a nulidade for absoluta, a ação será imprescritível, a sentença terá natureza declaratória e produzirá efeitos ex nunc. Se a nulidade for relativa, a ação terá o prazo prescricional de propositura de 90 dias e a sentença terá natureza desconstitutiva e produzirá efeitos ex tunc.

Por sua vez, a nulidade também poderá ser arguida via impugnação de cumprimento de sentença, pelo caráter de título executivo judicial dado à sentença arbitral, nos termos do art. 515, VII, do CPC.

O árbitro, na condição de juiz de fato e de direito (art. 18 da Lei de Arbitragem), profere sentença que possui a mesma eficácia do provimento judicial, devendo ser proferida por escrito.

No que tange à abrangência, a sentença pode ser parcial (art. 23, §1º, da Lei 9037/96), onde apenas parcela do objeto do processo arbitral é decidido na sentença, ou total, onde o juiz enfrenta todas as questões postas a julgamento. No caso de sentença parcial, a partir dela a parte tanto poderá executar o julgado como requerer a nulidade da sentença, independentemente do andamento do procedimento arbitral, que deverá seguir o seu trâmite quanto aos demais pontos pendentes de julgamento.

O artigo 32 da Lei de Arbitragem contém o rol de nulidades da sentença arbitral, em sete incisos, havendo casos de nulidade absoluta e relativa, o que enseja contornos distintos para a ação anulatória da sentença arbitral, como já visto.

A doutrina discute sobre se esse rol do art. 32 seria taxativo ou exemplificativo. A posição majoritária sustentada pela doutrina é a de que o rol seria taxativo (numerus clausus), ao argumento de que o entendimento contrário levaria a supor que o Poder Judiciário poderia rever as decisões arbitrais, o que não se coaduna com o escopo da jurisdição estatal na arbitragem.

Dentre as hipóteses do artigo 32, os incisos III, VI e VIII geram nulidade absoluta, e os incisos IV e VII geram nulidade relativa. Os incisos I e II poderão gerar nulidade absoluta ou relativa a depender do vício que inquinar a sentença arbitral.

Os legitimados para a propositura da ação anulatória são as partes da arbitragem, terceiros juridicamente prejudicados, sucessor a título singular ou universal da parte vencida, terceiros intervenientes e o Ministério Público. O foro competente para apreciar a ação é o do juízo competente para a execução da sentença arbitral, sem impedimento para que as partes elejam um foro diverso do originalmente previsto. Poderá haver a cumulação de pedido de anulação da sentença arbitral com o pedido de novo julgamento da causa, por ausência de vedação da Lei de Arbitragem.

Fora os casos de nulidade, a sentença arbitral também poderá ser inexistente ou ineficaz. Sendo assim, levando em conta a diferença inerente à natureza do vício da sentença, afigura-se a possibilidade jurídica de se ingressar com Ação Declaratória de Inexistência de Sentença Arbitral e ação declaratória de ineficácia de sentença arbitral, cujo prazo para propositura é imprescritível e o rito, em linhas gerais, segue o da ação anulatória.

3. Análise Jurisprudencial

3.1. Metodologia de pesquisa e análise

Investigamos, nesse ponto, a jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e Santa Catarina sobre a ação anulatória de sentença arbitral, no período compreendido entre o início do mês de janeiro de 2015 ao final do mês de dezembro de 2019, abrangendo um período correspondente a cinco anos.

Foram analisados apenas decisões provenientes de ações anulatórias de sentenças arbitrais proferidas em segunda instância (não foram analisados, por exemplo, impugnações à execução de sentenças arbitrais com fulcro no artigo 32 da Lei de Arbitragem bem como eventuais ações declaratórias para impugnar jurisdição, procedimento e sentença arbitral).

Para atingir esse fim, procedeu-se à pesquisa no sítio eletrônico dos tribunais e acesso ao sistema de processo eletrônico ESAJ, comum ao TJSC e TJSP. A consulta jurisprudencial foi do tipo avançada (TJSC) e completa (TJSP) e procurou abranger qualquer tipo de decisão proferida em segunda instância, desde decisões monocráticas às decisões referentes a Recursos Extraordinários e Recursos Especiais.

Como critérios de identificação de acórdãos nos sítios eletrônicos dos tribunais, em primeiro lugar procedeu-se à busca pelo termo “AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL”, com a especificação do marco temporal referente ao quinquênio, seguida pela pesquisa de todos os acórdãos disponíveis visando a identificar as ações anulatórias. Este termo costuma apresentar um menor número de acórdãos totais, porém uma maior quantidade de ações anulatórias proporcionalmente.

Feita a pesquisa supramencionada, procedeu-se à busca com o termo “SENTENÇA ARBITRAL”, com a especificação do marco temporal referente ao quinquênio, seguida pela pesquisa de todos os acórdãos disponíveis com o intuito de encontrar ações anulatórias que não foram identificadas na primeira pesquisa.

Este termo apresenta um maior número de acórdãos totais, um maior número de ações anulatórias totais e um menor número de ações anulatórias proporcionais, sendo que o objetivo desta segunda busca é de refinamento, ou seja, encontrar ações anulatórias por ventura não identificadas na primeira pesquisa. Os critérios apontados asseguram a análise de amostra relevante dos julgados referentes às ações anulatórias nos Tribunais citados.

O próximo passo foi a análise de aproximadamente de 2.535 (dois mil quinhentos e trinta e cinco) acórdãos que compunham a amostra, com o objetivo de identificar as hipóteses do artigo 32 da Lei 9306/97 que serviram de impugnação da sentença arbitral, para fins de análise estatística.

Não foi possível fazer esta identificação em todas as ações analisadas, vez que algumas estavam em segredo de justiça ou os autos eram físicos, impossibilitando o acesso ao processo. Em certos casos, o autor da ação fundamentou a ação servindo-se somente de teses distintas das hipóteses do artigo 32 ou simplesmente não foi possível determinar, pela análise dos autos, qual a tese adotada como fundamento para a ação.

Foram utilizados como critérios para a identificação das hipóteses e seleção dos acórdãos a serem analisados a menção expressa do inciso impugnado, seja pela citação numeral do inciso do art. 32 da Lei 9306/97, seja pela citação literal expressa do texto da lei, em manifestação de alguma das partes ou em decisão judicial.

Além dos fundamentos de impugnação da sentença arbitral, procurou-se identificar outros dados das ações anulatórias analisadas, como, por exemplo, comarca e vara de origem da ação, órgão julgador pelo tribunal, câmara arbitral que proferiu a sentença arbitral, a quantidade de ações julgadas a cada ano, traduzindo estes dados em análise estatística, com as devidas conclusões possíveis.

Para a determinação do ano de julgamento da ação anulatória em segunda instância, caso tenha havido decisões em anos diferentes, foi o da decisão definitiva do recurso que motivou a subida dos autos à instância superior.

Sendo assim, se a decisão do recebimento da apelação ocorreu no ano de 2018 e o acórdão do julgamento de mérito do recurso ocorreu no ano de 2019, contar-se-á, para os fins desta pesquisa, que esta ação é referente ao ano de 2019. O mesmo ocorre em relação ao agravo de instrumento. Se houver, na ação anulatória, decisão de agravo de instrumento e de apelação em anos distintos, será considerado como ano de julgamento o relativo ao julgamento definitivo da apelação.

Embargos de declaração não são considerados para a determinação do ano de julgamento. Julgamentos de admissibilidade de Recurso Especial e Extraordinário, assim como eventuais Agravos Internos, também não foram considerados na determinação do ano de julgamento do recurso, uma vez que tais decisões não encaram o mérito destes recursos, que fica a cargo dos tribunais superiores.

Da amostra de 2.535 acórdãos, dentre os quais 2.130 foram oriundos do TJSP e 405 foram oriundos do TJSC, 2.382 acórdãos foram removidos por não apresentarem os critérios definidos, resultando em uma amostra final de 153 (127 do TJSP e 26 do TJSC) acórdãos que foram analisados em profundidade, haja vista que possibilitaram a identificação das ações anulatórias. O resultado da análise detalhada dos conteúdos desses acórdãos é apresentado a seguir.

3.2. Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, durante o período de 2015 a 2019, proferiu julgamento em vinte e seis (26) ações anulatórias de sentença arbitral. No ano de 2019, foram proferidos julgamentos em quatorze destas ações, o que representa 53,84% do total, fazendo deste ano o líder absoluto de julgamentos de ações anulatórias. Os anos de 2018 teve seis julgamentos (23,07%) e 2017 tiveram quatro (15,38%) julgamentos. O ano de 2016 teve dois (7,692%) julgamentos e o ano de 2015 não teve julgamentos de ações anulatórias.

Cabe ressaltar que, anteriormente ao período de pesquisa, só foram registrados doze julgamentos de ações anulatórias em toda a história do tribunal, cinco no ano de 2014, dois nos anos de 2011 e 2008 e um nos anos de 2013, 2012 e 2010. A primeira ação anulatória julgada pelo TJSC foi a Apelação Cível nº 2008.064878-7, pela Primeira Câmara de Direito Comercial, na data de 20/11/2008.

É crível considerar que houve um aumento súbito de julgamento no ano de 2019, o qual registrou quatorze julgamentos, a considerar que em todos os anos anteriores somados foram registrados vinte e quatro julgamentos. O ano de 2019 foi responsável, portanto, por 36,84% de todos os julgamentos de ações anulatórias da história do TJSC. Se essa tendência de aumento se confirmar nos próximos anos, as perspectivas de crescimento destas demandas são positivas.

Outro dado que corrobora com a perspectiva de crescimento é o fato de que em quinze (57,69%) ações anulatórias do período eleito de pesquisa ainda não obtiveram seu julgamento em segunda instância uma vez que se tratam de impugnação de decisão interlocutória de primeira instância por agravo de instrumento.

A Comarca do Município de Brusque/SC foi a que mais teve ações apreciadas pelo TJSC, totalizando onze (42,30%) ações. A Comarca de Joinville teve sete (26,92%) ações apreciadas. A Comarca de Jaraguá do Sul teve três (11,53%) ações apreciadas. As Comarcas de Florianópolis, São José, São Joaquim, Videira, Balneário Camboriú tiveram uma (3,846%) ação apreciada cada.

A farta distribuição das ações entre diferentes Comarcas do interior do estado foi a principal característica observada nestas ações anulatórias, tendo a Comarca de Brusque como a principal fonte de origem, seguida por Joinville. A Comarca da Capital, Florianópolis, foi originária de apenas uma ação anulatória.

As ações anulatórias apreciadas provieram de doze varas distintas. A Vara Única de Brusque teve onze ações em trâmite. As vinte e seis ações anulatórias apreciadas foram julgadas por onze turmas recursais do TJSC.

Vejamos: quatro (15,38%) ações julgadas a Terceira Câmara de Direito Civil. Três (11,53%) ações foram julgadas pela Primeira Câmara de Direito Civil, Segunda Câmara de Direito Civil, Quinta Câmara de Direito Civil, Sexta Câmara de Direito Civil e a Sétima Câmara de Direito Civil. As demais turmas julgadoras apreciaram uma única ação anulatória.

As sentenças arbitrais impugnadas provieram de oito câmaras arbitrais, a saber: Câmara de Arbitragem de Brusque, com onze sentenças arbitrais, totalizando 42,30%; Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville, com sete sentenças arbitrais, totalizando 26,92%;  Câmara  Brasil Sul de Mediação e Arbitragem, com três sentenças arbitrais, totalizando 11,53%; as Câmaras de Mediação e Arbitragem de Santa Catarina, Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem CONCILIAR, Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, Câmara de Mediação e Juízo Arbitral de Florianópolis e Câmara de Mediação e Arbitragem de Santa Catarina proferiram uma única sentença arbitral objeto de impugnação, a perfazer 3,846% do total.

Quanto aos incisos do artigo 32 utilizados como fundamento para a impugnação da sentença arbitral, em 11 (42,30%) deles houve a impugnação do inciso I (for nula a convenção de arbitragem), em 9 (34,61%) deles houve a impugnação ao inciso VIII (forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º – contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento), em 6 (23,70%) deles houve a impugnação do inciso III (não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei – relatório, fundamentação, dispositivo e data e lugar da sentença), em 5 (19,23%) deles houve a impugnação do inciso IV (for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem), em 3 (11,53%) deles houve a impugnação do inciso VII (proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei), em 1 (3,846%) deles houve a impugnação do inciso II (emanou de quem não podia ser árbitro).

inciso VI (comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva) não teve nenhuma impugnação, já o inciso V foi revogado em 2015 e também não teve impugnação.

Observa-se uma predominância dos incisos I e VIII como tese de impugnação da sentença arbitral. Cabe ressaltar que em nenhuma das ações anulatórias houve a anulação da sentença arbitral impugnada em caráter definitivo.

Paralelamente à fundamentação pelos incisos do art. 32, a tese do caráter exemplificativo destes incisos como hipóteses de nulidade de sentença arbitral foi a tese mais utilizada para a fundamentação da ação anulatória pelo requerente, o que ocorreu em quatro (15,38%) ações.

Em duas (7,692%) ações, houve a alegação de falta de citação de litisconsorte necessário. Em contrapartida, em seis (23,07%) ações não foi possível determinar as teses de impugnação da sentença arbitral.

3.3. Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo

A exposição dos dados relativos ao Tribunal de Justiça de São Paulo não se dará da mesma forma feita anteriormente, ante a disparidade de volume de ações anulatórias de sentença arbitral entre os Tribunais. Enquanto o TJSC apreciou 26 (vinte e seis) ações, o TJSP apreciou 127 (cento e vinte e sete) ações, um volume praticamente cinco vezes maior.

O Estado de São Paulo e, em específico, a cidade de São Paulo, constituem um grande polo de arbitragem não apenas em nível nacional como internacional. Segundo o relatório International Arbitrataion SurveyThe Evolution of International Arbitration, elaborado pela Queen Mary University of London e White & Case, no ano de 2018, São Paulo é o quarto lugar preferido para a arbitragem internacional na América Latina, com 8% de preferência, atrás apenas de Londres, Paris e Nova Iorque, nesta ordem, que, apesar de não serem cidades latino-americanas, são referências mundiais em arbitragem. No ranking geral de preferência, a cidade de São Paulo aparece em oitavo lugar, e o Rio de Janeiro, em décimo-quarto.

O Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), também situado em São Paulo, na forma do relatório supracitado, ocupa o terceiro lugar no ranking de preferência de Câmaras Arbitrais na América Latina e o oitavo lugar no ranking geral.

Deste modo, como não poderia ser diferente, a Comarca da Capital de São Paulo é originária, com larga vantagem, da maior parcela das ações anulatórias do TJSP, com cento e nove (109) ações dentre cento e vinte e sete (127), o que corresponde a 85,82% do total.

A Comarca de Campinas teve três ações anulatórias apreciadas pelo TJSP, o que totaliza 2,36% do volume. A Comarca de Paulínia teve duas (1,57%) ações. As Comarcas de São Bernardo do Campo, Sorocaba, Bauru, Barueri, Mogi das Cruzes, Taubaté, Ribeirão Preto, Araçatuba, Santo Amaro, São José do Rio Preto, Monte Alto e Botucatu tiveram uma (0,78%) única ação apreciada cada.

Ao contrário do que ocorreu no TJSC, houve pouca distribuição de ações anulatórias entre as Comarcas do interior e uma grande concentração de ações oriundas da Capital do Estado.

Dentre os anos considerados na pesquisa, o ano de 2019 foi o que mais registrou ações anulatórias julgadas pelo TJSP, totalizando sessenta e quatro (50,39%). Em segundo lugar, aparece o ano de 2018, com vinte (15,74%) ações julgadas. A seguir, vem o ano de 2015, com dezenove (14,96%) ações julgadas, seguido pelo ano de 2016, com dezessete (13,38%) ações julgadas, e o ano de 2017, com sete (5,51%) ações julgadas.

O ano de 2019 registrou um vertiginoso aumento no número de ações julgadas pelo TJSP, representando um pouco mais da metade de todas as ações julgadas nos últimos cinco anos, mas merece referência o fato de que, dessas 64 (sessenta e quatro) ações, 28 (vinte e oito) foram oriundas de um mesmo litigante, a UNIMED PAULISTANA, a qual se encontra atualmente em liquidação extrajudicial, a mostrar um caráter atípico para este ano em relação aos anos anteriores.

As ações anulatórias de sentença arbitral analisadas originaram-se em cinquenta e três (53) varas distintas, de quinze (15) comarcas, sendo que em duas (1,57%) ações não foi possível determinar a vara de origem. As três varas que receberam mais processos foram: 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo (capital), que recebeu 29 (vinte e nove) processos, totalizando 22,83% do volume; 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo (capital), que recebeu 17 (dezessete) ações, totalizando 13,38% do volume; 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (capital), que recebeu 16 (dezesseis) ações, totalizando 12,59% do volume.

Vinte e quatro Câmaras Arbitrais proferiram as sentenças arbitrais objeto de impugnação, a saber: Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Conselho Arbitral do Estado de São Paulo, Tribunal Arbitral de São Paulo, Câmara de Arbitragem do Mercado, Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da CIESP/FIESP, Tribunal Internacional de Justiça e Conciliação de Campinas, Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial, Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, China Internacional Economic and Trade Arbitration Comission, Câmara Arbitral do Fórum Unimed, SB Mediação e Arbitragem Ltda, Câmara de Mediação e Arbitragem das Eurocâmaras de São Paulo, Câmara de Solução de Disputas relativas a nomes de domínio da ABPI, Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio, ARBITRARE, Juízo Arbitral da Bolsa Brasileira de Mercadorias, Câmara Arbitral de São José do Rio Preto, Câmara Nacional de Arbitragem na Comunicação, AMESCO, Câmara de Arbitragem de Osasco, Tribunal Arbitral das Sociedades de Advogados, Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional e Centro Arbitral de São Paulo.

Em doze (9,44%) ações não foi possível identificar a Câmara Arbitral responsável pela sentença arbitral. As três Câmaras que tiveram mais sentenças objeto de ações anulatórias foram: Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), com trinta e uma decisões, totalizando 24,40%; Câmara Arbitral do Fórum Unimed, com vinte e nove decisões, totalizando 22,83%; e Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da CIESP/FIESP, com quinze decisões, totalizando 11,81%.

No que diz respeito à fundamentação das teses de impugnação da sentença arbitral nos incisos do artigo 32 da Lei 9307/96, em sessenta e uma (48,03%) das ações houve o recurso ao inciso IV; o inciso I foi usado em cinquenta e três (41,73%) ações; o inciso VIII foi usado em cinquenta e uma (40,15%) ações; o inciso II foi usado em vinte e nove (22,83%) ações; o inciso VII foi usado em vinte e cinco (19,68%) ações; o inciso III foi usado em vinte e duas (17,32%) ações; o inciso V foi usado em dez (7,87%) ações; o inciso VI não foi usado como tese de impugnação em nenhuma; e em vinte e uma (16,53%) ações não foi possível determinar qual o inciso do artigo 32 foi usado.

É de se observar que, tanto no TJSP como no TJSC, o inciso VI não foi usado como recurso de fundamentação para impugnação da sentença arbitral. Em São Paulo, o inciso IV foi o mais usado, seguido pelos incisos I e VIII, segundo e terceiro lugares, respectivamente. O quarto lugar foi o inciso II, o quinto foi o inciso VII, o sexto foi o inciso III, e o sétimo foi o inciso V, o qual se encontra revogado desde o ano de 2015.

Houve decisão de anulação da sentença arbitral, total ou parcial, em 22 das 127 ações analisadas, perfazendo 17,32% do total.

As teses de violação da ordem pública e do caráter exemplificativo do artigo 32 igualmente foram utilizadas para impugnação da sentença arbitral.

4. Conclusão

Procurou-se, neste artigo, realizar um estudo sobre a Ação Anulatória de Sentença Arbitral. Para isso, foram procedidas pesquisa doutrinária e empírica sobre este instituto jurídico, de forma a delinear os principais pontos e tentar observar perspectivas futuras.

Na parte doutrinária, fez-se um estudo sistemático sobre a legislação de referência da ação anulatória, abordando os principais pontos sobre o procedimento e hipóteses legais de nulidade da sentença arbitral.

Já na parte empírica, analisamos a jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados de Santa Catarina e São Paulo a respeito das decisões tomadas em segunda instância sobre ação anulatória de sentença arbitral proferidas no período compreendido entre janeiro de 2015 e dezembro de 2019 (período de 5 anos).

O principal foco da análise foi verificar a incidência de arguição, pelas partes requerentes, dos incisos do artigo 32 da Lei da Arbitragem. No TJSC, observou-se uma predominância do inciso I (11 ações – 42,30%), seguido pelo inciso VIII. Já no TJSP, o inciso IV (61 ações – 48,03%) foi o mais usado, seguido pelos incisos I e VIII, segundo e terceiro lugares.

No TJSC, 26 (vinte e seis) ações anulatórias foram analisadas, enquanto no TJSP foram 127 (cento e vinte e sete). Nos dois tribunais, o ano de 2019 foi o que registrou mais julgamentos de ações anulatórias, com larga vantagem sobre os demais anos do quinquênio, o que denota uma perspectiva de crescimento de utilização desta ação nos próximos anos fruto do crescimento exponencial da arbitragem no país.

No Estado de São Paulo, houve uma grande concentração de demandas anulatórias na Capital e um número baixo no interior. Em Santa Catarina, ocorreu justamente o contrário, com apenas uma única demanda oriunda da Capital e as demais do interior.

Em relação à efetiva anulação da sentença arbitral, em Santa Catarina não houve nenhum julgamento pela anulação da sentença arbitral, enquanto em São Paulo, do total das 127 ações analisadas, houve decisão de anulação, total ou parcial, da sentença arbitral em 22 ações, perfazendo o total de 17,32%.

Ou seja, se analisarmos apenas São Paulo, principal seat arbitral do país, com uma taxa de aproximadamente 17% de anulação parcial ou total de sentenças arbitrais podemos comprovar a qualidade dos árbitros e seu tecnicismo, bem como o fato dos regulamentos das principais câmaras preconizarem o respeito aos princípios previstos no artigo 21 § 2º da Lei de Arbitragem.

O fato do inciso VI do artigo 32 não ter sido utilizado em nenhuma ação anulatória analisada tanto em Santa Catarina quanto em São Paulo (VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva) também é um sinal de seriedade e correção na atuação dos árbitros nacionais e estrangeiros no país, ou seja, sua imparcialidade não foi questionada em nenhuma das ações. Tal fato demonstra confiança das partes na arbitragem e no caráter dos private judges que escolhem.

O que sugerimos para instituições arbitrais e árbitros é especial atenção ao escopo da convenção de arbitragem, uma vez que, em São Paulo, o inciso IV do artigo 32 (sentença proferida fora dos limites da convenção de arbitragem), foi o fundamento de maior incidência nas ações anulatórias.

Para isto, um termo de arbitragem com limites claros para atuação do painel pode ser a solução (com linguagem clara, sem margem para ambiguidades e filigranas hermenêuticas).

Nos termos postos por Blackaby et. al., as melhores sentenças arbitrais internacionais (podemos dizer que tal critério também se aplica as sentenças arbitrais nacionais) são concisas, fundamentadas e redigidas de forma clara e isentas de linguagem ambígua.

Um tribunal arbitral deverá sempre ter como objetivo proferir sentença arbitral correta, válida e executável[2]. Tal é sua obrigação perante alguns sistemas jurídicos ou perante os regulamentos de arbitragem, na forma prevista no artigo 42 do regulamento de arbitragem da CCI que afirma que a Corte e o tribunal arbitral farão o possível para assegurar que a sentença arbitral seja executável perante a lei[3].

Portanto, em procedimentos arbitrais internacionais, o ideal é que os árbitros redijam a sentença pautados nos critérios da Convenção de Nova Iorque (Decreto nº 4.311 de 2002), o que garantirá sua execução em todos os países signatários. De forma similar, em arbitragens domésticas, os árbitros deverão sempre elaborar suas sentenças arbitrais considerando suas fontes do direito, qual sejam: a convenção arbitral, o termo de arbitragem (se houver) e a lei aplicável (sempre trazendo uma sentença líquida para facilitar a execução).

Em suma, podemos afirmar que, na maioria das vezes, a ação anulatória da sentença arbitral é fruto de mero inconformismo quanto ao conteúdo meritório da sentença, o que não enseja nulidade[4] nem tampouco análise pelo poder judiciário que fica restrita à verificação de error in procedendo e não de error in judicando.

Por fim, apenas para fins estatísticos, analisamos de forma específica as Câmaras Arbitrais em que foram proferidas as sentenças arbitrais, bem como as Varas de origem das ações anulatórias e as Turmas Julgadoras dos Tribunais que proferiram os julgamentos em segunda instância.

 

Referências

BLACKABY, Nigel et. al. Redfern and Hunter on International Arbitration. Sixth Edition. Oxford: Oxford University Press.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23ª Edição. São Paulo. Editora Malheiros Editores, 2007.

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. 1ª Edição, Florianópolis. Editora Conceito Editorial, 2008.

FERREIRA, Daniel B. Alternative Dispute Resolution in Brazil. Canadian Arbitration and Mediation Journal, vol. 28, nº 1, 2019.

FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luís. Teoria Geral da Arbitragem. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10ª Edição. Salvador. Editora Jus Podivm, 2018.

ROCHA, Caio Cesar Vieira. Limites de controle judicial sobre a jurisdição arbitral no Brasil. 2012. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade em Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

VICENTE, Fabrizzio Matteucci. Arbitragem e nulidades: uma proposta de sistematização. 2010. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Manual de Arbitragem, Mediação e Conciliação. 8. Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018.

WLADECK, Felipe Scripes. Meios de controle judicial da sentença arbitral nacional. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

 


[1] Vide FERREIRA, Daniel B. Alternative Dispute Resolution in Brazil. Canadian Arbitration and Mediation Journal, vol. 28, nº 1, 2019. Disponível em http://adric.ca/wp-content/uploads/2019/09/ADRIC_JOURNAL_2019_Vol28_No1.pdf. Acesso em 26 de fevereiro de 2020.

[2] BLACKABY, Nigel et. al. Redfern and Hunter on International Arbitration. Sixth Edition. Oxford: Oxford University Press, p. 549, 2015.

[3] Vide artigo 42 do regulamento de arbitragem da CCI: ARTIGO 42- Regra geral – Em todos os casos não expressamente previstos no Regulamento, a Corte e o tribunal arbitral deverão proceder em conformidade com o espírito do Regulamento, fazendo o possível para assegurar que a sentença arbitral seja executável perante a lei. Regulamento de arbitragem da CCI disponível em português em https://iccwbo.org/publication/2017-arbitration-rules-and-2014-mediation-rules-portuguese version/?preview=true. Acesso realizado em 16 de fevereiro de 2020.

[4] Vide STJ, Terceira Turma, REsp nº 1.636.113, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 05.09.2017. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL. AÇÃO ANULATÓRIA. RECEBIMENTO COMO IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE EM TESE. 1. Controvérsia limitada a saber se é possível o recebimento de ação anulatória em curso como impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, inclusive com a concessão de efeito suspensivo, nos termos do art. 475-M do CPC/1973. 2. O cumprimento de sentença arbitral é sempre processado em caráter definitivo, circunstância que não se modifica em virtude do ajuizamento de ação anulatória. 3. São duas as formas de impugnação judicial da sentença proferida em procedimento arbitral quando dela resulta a condenação ao pagamento de quantia certa: a) o ajuizamento de ação visando a declaração de nulidade da sentença, nos moldes do art. 33 da Lei nº 9.307/1996, e b) o oferecimento de impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, nos moldes do art. 475-J, § 1º, do CPC/1973, observada a regra do parágrafo 3º do art. 33 da Lei da Arbitragem. 4. A simples propositura de ação anulatória não é suficiente para suspender a execução, ressalvada a concessão de efeito suspensivo em atendimento a pedido de tutela provisória de urgência, o que não ocorreu na espécie. 5. Possibilidade, em tese, de dar à ação de invalidação de sentença arbitral em curso o mesmo tratamento conferido à impugnação ao cumprimento de sentença, desde que oferecida a garantia e requerida tal providência ao juízo da execução dentro do prazo legal, cabendo a ele decidir, se for o caso, a respeito da suspensão do feito executivo. 6. Hipótese em que a demanda pela qual se busca a anulação da sentença arbitral não apresenta a menor perspectiva de êxito, a afastar a pretensão recursal. 7. Sentença arbitral devidamente fundamentada em princípios basilares do direito civil, apresentando solução que não desborda das postulações inicialmente propostas pelas partes. 8. O mero inconformismo quanto ao conteúdo meritório da sentença arbitral não pode ser apreciado pelo Poder Judiciário. Precedentes. 9. Recurso especial não provido.

 

 

 

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
Share on pinterest
Pinterest
Imagem padrão
PericiaBR
Artigos: 343