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A importância da perícia social no Direito de Família
Publicado originalmente
Por Francine Sgnaolin Schmitt
Dentro da dinâmica da aplicação do Direito, tem-se notado, principalmente por meio da atuação de advogados especializados no Direito de Família, que a análise técnica de fatos e circunstâncias, que cercam as lides de relações familiares, tem crescido desmedidamente de importância. O que tem exigido trabalhos mais técnicos, geralmente denominados estudos sociais, mas que em realidade são perícias técnicas, revistam-se da forma prescrita em lei.
Em análise mais detalhada desse assunto, recorreu-se à tese trazida no livro “Estudo Social e da Perícia Social? — Um estudo teórico-prático na Justiça Catarinense”. de autoria de Alcebir dal Pizzol [1].
Segundo Pizzol (2005), diferentemente do que se pensa, a perícia social não é simplesmente um imediato laudo técnico de assistente social, mas a reunião de vários laudos técnicos, de vários profissionais/peritos de diversas áreas, que são somados e reunidos em um só laudo técnico.
A configuração do que seja estudo social, no âmbito do serviço social, reside no fato de que esse é um instrumento largamente utilizado nas mais diferentes áreas e modalidades de intervenção, cujo objetivo principal é a orientação do processo de trabalho do próprio assistente social.
O estudo social é, assim, o instrumento utilizado para conhecer e analisar a situação vivida por determinado sujeito ou sujeitos sociais, sobre o qual faz-se necessário opinar.
A perícia social, quando solicitada a um profissional de serviço social, recebe essa denominação por se tratar de estudo social, que implica na elaboração de um laudo e emissão de um parecer extremamente completo.
Para sua construção, o profissional faz uso dos instrumentos e laudos técnicos de outros peritos em áreas específicas, como dentro do Direito de Família há a possibilidade de aglutinar laudos de psicólogos, psiquiatras, médicos pediatras, contábil, corroborando com a realização de entrevistas, contatos, visitas, pesquisa documental e bibliográfica [2].
Dentro dessa ótica, o assistente social despende todo o necessário para análise e a interpretação da situação em questão a fim de elaborar o parecer mais completo, consubstanciando seu estudo social em perícia social.
O fato é que, quando profissionais das mais diversas áreas de conhecimento são chamados a desenvolver um trabalho de cunho técnico e científico, utilizam como meio para demonstrar seu serviço o documento chamado laudo. Assim, temos o laudo médico, o laudo psiquiátrico, o laudo psicológico, o laudo contábil, entre outros.
Se qualquer perito, após realizar seu trabalho, manifesta-se através de laudo, por certo essa mesma prática deverá ser utilizada pelo profissional do serviço social. De modo que, quando o trabalho do assistente social implica em produção de prova, quer no campo administrativo quer no campo judicial, esse serviço deve ser chamado de perícia técnica.
A questão não é simplesmente de nomenclatura. Ao realizar um estudo social o assistente social não se utiliza das regras que norteiam a perícia judicial e, por isso, não está adstrito às questões do impedimento e da suspeição, de compreender a figura do assistente técnico, de responder quesitos ou de ser penalizado por agir com dolo ou culpa em desfavor de uma das partes, entre outros aspectos igualmente importantes.
As regras que norteiam o estudo social são de cunho meramente técnico e ético, ao passo que ao realizar uma perícia social no âmbito da Justiça deve o profissional, além de observar esses aspectos, ater-se às regras processuais constantes do Código de Processo Civil (CPC) e que se aplicam a qualquer tipo de perícia judicial.
A grande maioria dos magistrados determina a realização de estudo social por costume. Porém, há de se considerar que em certas ocasiões, tendo em vista a complexidades das famílias modernas, a colheita da prova pericial determinaria e nortearia a realização do tradicional estudo social da maneira mais concisa possível.
A importância do trabalho de investigação e diagnóstico do profissional do serviço social é tamanha que não há como imputar a um só profissional, por mais competente que ele seja, a investigação de todo um arranjo familiar.
Fazendo uma simples ponderação, cada profissional tem sua especialização, um matemático é perito em cálculo, um médico é perito em doenças e saúde, um psicólogo, em avaliações psicológicas, um psicopedagogo, em desenvolvimento cognitivo.
Reforça-se que os litígios de família, em sua maioria, implicam na necessidade de exames científicos e técnicos avançados, pois depende de conhecimento que esteja fora do alcance do homem-médio.
Portanto, um assistente social, no caso da perícia social, deve estar abarcado de conhecimentos específicos nas mais diversas áreas para formar a prova para subsidiar decisões — a perícia social —, deixa de ser tão somente um estudo social e toma característica de perícia social.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na relatoria do desembargador Marcus Tulio Sartorato, já atentou-se à necessidade de instrução probatória ampla e irrestrita:
“De família. Ação de guarda ajuizada pelo genitor em face da avó materna. Pedido de realização de perícia social, em detrimento de estudo social, indeferido pelo juízo a quo. Pertinência e relevância da prova reclamada. Necessidade de instrução ampla e irrestrita, inclusive com a realização da postulada perícia. Visitas do filho ao pai fixadas em três finais de semana ao mês. Nova decisão interlocutória versando sobre a matéria impugnada. Perda do objeto, no tópico. Interlocutório parcialmente reformado. Recurso parcialmente provido. Havendo decisão mais recente proferida pelo mesmo magistrado a quo sobre o assunto impugnado nas vias do agravo de instrumento, desnecessária se torna a manifestação do órgão ad quem diante da perda do objeto por falta de interesse recursal”. (TJ-SC, Agravo de Instrumento nº 2010.050581-7, de Joinville, rel. desembargador Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 15-03-2011 — grifo da autora).
Nesse mesmo acórdão ainda:
“Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de instrução probatória ampla e irrestrita nos autos de origem, inclusive com a realização da postulada perícia social para que o juízo possa equacionar com segurança a complexa questão referente à guarda do menor. Nesse sentido, conforme bem consignou o ilustre desembargador Carlos Alberto Civinski à fl. 302:
‘Nestes casos, a realização de perícia social é a melhor solução, uma vez que se trata de um instrumento processual com previsão nos artigos 420 a 429 do Código de Processo Civil, assegurando às partes o contraditório e a ampla defesa, vez que possibilita que estas indiquem assistentes técnicos e formulem quesitos. Destarte, a perícia social visa fornecer maiores subsídios para que o magistrado julgue a questão’.
No mesmo sentido, o ilustre procurador de Justiça anotou em seu parecer que ‘o estudo social muitas vezes depara-se com ânimos exaltados com as partes trocando farpas entre si, podendo macular o juízo, em certos casos, com informações inverídicas, colocando em xeque, assim, o trabalho daqueles profissionais, situação essa não presenciada durante a realização de perícia social, porque o perito responsável pelo estudo pode ser responsabilizado pelas falsas informações prestadas ao juízo’ (fl. 315).
Assim, a insurgência merece guarida no tópico destacado” [3]. (grifo da autora)
O fato é que, quando requisitado o trabalho de um assistente social para esclarecer questões conflituosas, o resultado pode ser determinante a alienação parental, negligência materna em relação à saúde dos menores, ou mesmo desenvolvimento cognitivo das crianças, guarda e convivência, inclusive, para averiguação da possibilidade financeira do alimentante e consequente fixação de pensão alimentícia.
Acerca da determinação, por comando judicial, da realização de perícia especializada, há previsão no artigo 5º da Lei nº 12.318/2010, leia-se:
“Artigo 5º — Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§1º. O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§2º. A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§3º. O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada”.
No Código de Processo Civil, acerca da prova visada, tem-se no artigo 156 uma leitura genérica ao estabelecer que quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico o juiz será assistido por peritos, anota-se que deixa de mencionar estudo social:
“Artigo 156 — O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
§1º. Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado”.
Já, no artigo 464 do CPC é possível verificar um rol que dispõe quando o juiz indeferirá a prova pericial, ou substituirá por prova simples:
“Artigo 464 — A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
§1º O juiz indeferirá a perícia quando:
I. a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;
II. for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III. a verificação for impraticável.
§2º. De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
§3º. A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.
§4º. Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa”.
Entre os dispositivos disciplinadores da prova pericial, consagra-se a garantia do juiz nomear os peritos, fixando de imediato o prazo para entrega do laudo, incumbindo às partes, nos termos do parágrafo 1º inciso II do artigo 465 do CPC, indicar o assistente técnico.
De mais a mais, bem menciona Rodrigo da Cunha Pereira no livro “Tratado de direito das famílias” (IBDFAM, 2019) [4], a necessidade de perícia especializada, realizada por equipe multidisciplinar, de ampla avaliação psicológica, biopsicossocial e psiquiátrica para diagnosticar com precisão ao juiz atos de alienação parental. Um verdadeiro aprofundamento na pesquisa avaliativa por experts.
Por fim, depreende-se acerca da perícia social que, quando o trabalho de investigação e diagnóstico do profissional do serviço social se constitui com o objetivo de formar prova para subsidiar decisões, deixa de ser tão somente um estudo social e toma característica de perícia social.
[1] Pizzol, Alcebir Dal. Estudo social ou perícia social? — Um estudo teórico prático na justiça catarinense. Florianópolis: Insula, 2005.
[2] CFESS (Org.). O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos. São Paulo: Cortez, 2007.
[3] TJSC, Agravo de Instrumento n. 2010.050581-7, de Joinville, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 15-03-2011
[4] Pereira, Rodrigo da Cunha. Tratado de Direito de Família — Belo Horizonte: IBDFAM, 2019, p. 322-324