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CPC/15: A remuneração do perito quando a prova é requerida por beneficiário de gratuidade da justiça
Publicado originalmente
Por (MPPR)
Terezinha de Jesus Souza Signorini
Samantha K. Muniz
Quando no Processo Civil a prova de fato depender de saber técnico ou científico alheio à ciência jurídica, o juiz será assistido por perito (v. art. 156 do CPC/15).
O direito dos peritos à remuneração advém do desenvolvimento de atividade profissional que faz jus à contraprestação.
Nesse sentido, estabelecia o art. 33 do CPC/73 e prevê o atual art. 95 do CPC/15, em linhas gerais, que cabe à parte que requereu a perícia a responsabilidade pelo ônus da remuneração do expert, bem como que o juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente.
Tal medida é consentânea à regra da responsabilidade das partes pela antecipação do pagamento das despesas com as diligências e/ou atos que requererem no processo (cf. art. 19, segunda parte, do CPC/73 e art. 82, segunda parte, do CPC/15).
No entanto, o pagamento da perícia não pode ser imputado, de plano, à parte que goza de assistência jurídica integral, a qual constitui direito fundamental do cidadão, a teor do art. 5°, inc. LXXIV, da CF, e art. 19, primeira parte, do CPC/73, correspondente aos arts. 82, primeira parte, e 85 do CPC/15. Cuida-se de exceção à regra mencionada no parágrafo anterior.
No contexto do CPC/73, o art. 33 nada mencionava acerca dessa situação em que o exame pericial é requerido por beneficiário da justiça gratuita, lacuna que representava entrave ao deslinde dos processos, em razão do frequente desinteresse dos profissionais em realizar a perícia sem adiantamento da remuneração – quando necessário -, tampouco pagamento logo após o final dos trabalhos e a entrega do laudo.
A expectativa de recebimento do numerário repousava na condenação do vencido ao pagamento dos honorários periciais, à vista do princípio da sucumbência (cf. art. 20 do CPC/73, correspondente ao art. 82, §2°, do CPC/15). Porém, sendo a parte vencida aquela que requereu a perícia, beneficiária da justiça gratuita, mais uma vez se estava diante de obstáculo para o recebimento dos honorários.
Em apreciação do tema pela jurisprudência da época, atingiu-se a compreensão majoritária de que, pertencendo ao Estado a responsabilidade de prestar aos necessitados assistência jurídica integral e gratuita, a ele cabe o dever de “diligenciar meios para provê-los ou criar dotação orçamentária para tal fim” (v. REsp n° 68.707. Na mesma linha, citam-se: REsp n° 131.815, REsp n° 1116139, AgRg no Ag n° 1223520, REsp n° 1076338, RE n° 207732, RE n° 224775).
No julgamento do REsp n° 435448, de relatoria da Ministra Nancy Andrigui, discorreu-se que a atribuição de referido ônus ao Estado repercute na possibilidade de ser determinada a realização da perícia por técnicos de estabelecimento oficial especializado ou repartição administrativa do ente público, caso o perito inicialmente nomeado pelo juízo não consinta na feitura dos trabalhos de forma gratuita/mediante recebimento dos honorários somente ao final do processo.
Esse posicionamento foi reproduzido em outras oportunidades no STJ (v. REsp n° 935470, REsp n° 220229 e REsp n° 955976).
Em março de 2011, o Conselho Nacional de Justiça, no exercício da sua missão de planejamento estratégico do Poder Judiciário, editou a Resolução n° 127 com o fim de recomendar aos tribunais estaduais que destinassem, “sob rubrica específica, parte do seu orçamento ao pagamento de honorários de perito, tradutor ou intérprete, quando, nos processos de natureza cível, à parte sucumbente no objeto da perícia fosse deferido o benefício da justiça gratuita” (v. art. 1°).
Com o advento do CPC/15 o tema passou a ser regulamentado por lei. Preocupou-se o legislador em assentar a questão dispondo no art. 95, §3°, do CPC/15 que:
§ 3° Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I – custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II – paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 4° Na hipótese do § 3°, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2°.
§ 5° Para fins de aplicação do § 3°, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública.
Em atenção ao contido no inc. II do §3° do art. 95 do CPC/15, o CNJ aprovou a Resolução n° 232/2016, que “fixa os valores dos honorários a serem pagos aos peritos, no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus”.
A doutrina esclarece que a via da realização da perícia tratada no inc. I, “confere à parte a possibilidade de indicação de órgão público ou funcionário da Administração para a elaboração da perícia”[1].
Como hipótese sucessiva, “não havendo um funcionário público ou órgão público que possa conduzir a perícia, será contratado profissional particular, a ser remunerado segundo parâmetros fixados pelo CNJ”[2].
Nota-se que deve ser dada primazia à indicação de funcionário ou órgão público que possa realizar o exame pericial, se viável.
Outra colocação relevante diz respeito ao direito do Estado de “reaver da parte vencida o que foi adiantado ao perito a título de honorários”[3], observando-se o art. 98, §2°, do CPC/15, o qual revela que o benefício da gratuidade da justiça é entendido como um “facilitador do acesso à justiça”[4], não eximindo a parte, quando vencida, da responsabilidade pelas despesas processuais e honorários provenientes de sua sucumbência:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
(…)
§ 2o A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
A despeito do avanço do CPC/15, ao dispor sobre o tema de maneira afinada ao entendimento prevalecente sob a égide do CPC/73, percebe-se que o art. 95 do CPC/15 pode ensejar dúvida sobre a responsabilidade no pagamento dos honorários periciais quando a prova for requerida por ambas as partes, sendo apenas o autor beneficiário da gratuidade da justiça, em especial porque na sistemática atual impõe-se o rateio desse ônus nessa circunstância narrada.
Em análise de caso similar, ainda na vigência do Código anterior, o STJ decidiu que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários não poderia ser determinada à parte requerida, eis que não haveria regra impositiva dessa obrigação quando a prova era pugnada também pelo autor (v. REsp n° 955976).
Entretanto, naquela oportunidade, vigorava o disposto no art. 33 do CPC/73, segundo o qual o ônus pela remuneração do perito recaia integralmente sobre o autor, quando a prova fosse requerida por ambas as partes.
Na atual conjectura do CPC/15, essa responsabilidade deverá ser partilhada entre autor e réu, caso a prova seja postulada pelos dois.
Assim, não sendo possível a adoção da diligência prioritária de indicação de servidor do Poder Judiciário ou órgão público conveniado para a realização do exame pericial (inc. I do §3° do art. 95), considera-se possível que a parte que também requereu a perícia, e que não goza do benefício da gratuidade da justiça, seja compelida a adiantar metade do valor dos honorários periciais, ao lado do Estado atuante em nome da parte protegida pela assistência judiciária.
Atenciosamente,
Terezinha de Jesus Souza Signorini
Procuradora de Justiça – Coordenadora
Samantha K. Muniz
Assessora Jurídica
[1] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 467.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Ibidem, p. 473.
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