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Nova Lei de Falências: O que esperar da atuação do Fisco?
Publicado originalmente
Por THAÍS KLEINSORGE MENDES
A Lei n° 14.112/20 confere “super poderes” ao Fisco ou apenas busca o equilíbrio?
Após 15 anos de vigência da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei n° 11.101/05), entrou em vigor no último dia 24 de janeiro a Lei n° 14.112/20, que altera vários pontos da lei de 2005 com o principal objetivo de melhorar a sua aplicação. Uma das alterações mais controversas é a possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência caso a empresa descumpra parcelamentos fiscais ou transações tributárias obtidas junto à Fazenda Nacional. Com a nova lei, o juiz também poderá decretar a falência quando identificado o esvaziamento patrimonial da empresa em recuperação, prática por vezes utilizada para burlar o Fisco em que se busca postergar ou evitar o pagamento das dívidas tributárias. Nesse contexto, cumpre indagar: a Lei n° 14.112/20 de fato confere “super poderes” ao Fisco ou apenas busca o equilíbrio em razão dos empresários que deixam de pagar tributos por anos a fio?
O que se observa nos últimos anos é que o crédito tributário vem sendo deixado numa situação injusta. Explica-se: conforme disposto no Art. 73 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, uma das hipóteses de decretação da falência durante a recuperação judicial é o descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação (inciso IV). Assim, com base nessa prerrogativa, quaisquer credores poderiam requerer a chamada convolação da recuperação judicial em falência, mas a jurisprudência vinha entendendo que o Fisco não estava autorizado a fazê-lo, porque as ações de execução fiscal continuam a tramitar de forma independente contra a empresa recuperanda.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também entende que os atos que importam em constrição de patrimônio da empresa devem se submeter ao juízo universal da falência, de modo que, dada a impossibilidade de requerer a convolação em falência, o Fisco se via totalmente impedido de cobrar seu crédito. Ou seja: o modo como a jurisprudência vinha tratando o papel do Fisco gerou incentivos perversos para as empresas em recuperação, que já sabiam de antemão com quem poderiam descumprir seus compromissos sem se sujeitar a maiores consequências no âmbito da recuperação judicial.
Além disso, o art. 57 da Lei n° 11.101/05 exige que a empresa apresente certidão negativa de débitos tributários como condição para o deferimento da recuperação judicial, exigência mantida pela Lei n° 14.112/20, mas que vem sendo flexibilizada pelos tribunais com base no princípio da preservação da empresa. Assim, o credor tributário se vê impedido de cobrar o seu crédito por meio da execução fiscal e, ao mesmo tempo, o devedor pode obter a recuperação judicial sem possuir certidão negativa de débitos.
Sob tais circunstâncias, pode-se dizer que algumas recuperações judiciais acabam sendo feitas às custas do Fisco. É importante chamar a atenção para os empresários que permanecem inadimplentes por longos anos, uma prática que gera concorrência desleal com todos os demais que pagam seus impostos em dia. Se não bastasse, esses empresários acabam vendendo todos os seus ativos no âmbito da falência sem quitar as dívidas tributárias. Trata-se de uma deturpação do sistema como um todo, pelo que não se deve premiar o empresário que atua de modo a reforçar essas distorções.
Vale destacar que a Lei n° 14.112/20 oferece uma contrapartida relevante às empresas recuperandas ao melhorar as condições de parcelamento das dívidas fiscais: após a reforma, os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados por essas empresas em até 120 (cento e vinte) prestações mensais, frente às 84 (oitenta e quatro) parcelas que eram permitidas anteriormente.
Por outro lado, não há como ignorar a situação de estrangulamento financeiro enfrentada por muitos empresários brasileiros, que já era preocupante e ficou ainda mais grave com a pandemia do coronavírus. Para a parcela do empresariado que tenta se manter adimplente com todas as suas obrigações, as melhorias decorrentes da reforma da lei de falências dificilmente serão percebidas com intensidade no âmbito fiscal. Isso porque o Poder Executivo Federal vetou uma série de dispositivos importantes que haviam sido aprovados pelo Congresso e que, caso convertidos em lei, trariam maior fôlego financeiro para as empresas em recuperação.
Dentre os vetos, cabe destacar aquele que seria o art. 6-B da Lei de Falências e que previa a possibilidade de a empresa em recuperação aproveitar os prejuízos fiscais de IRPJ e CSLL, que poderiam ser usados para abater até a totalidade dos lucros obtidos pela recuperanda na alienação de seus ativos. Esse dispositivo seria uma iniciativa relevante porque afastaria, em relação aos créditos obtidos com a alienação de bens na recuperação, o limite de compensação fixado pela lei tributária em 30% dos lucros do período.
Em sua mensagem de veto, o Ministério da Economia reconheceu a boa intenção do legislador, mas pontuou que tais medidas ofenderiam o princípio da isonomia tributária e acarretariam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem estimativa dos impactos financeiro e orçamentário. Um outro veto importante, feito sob a mesma justificativa de renúncia de receitas, foi da previsão aprovada pelo Congresso de que o ganho obtido com a renegociação de dívidas na recuperação judicial não comporia a base de cálculo do PIS e da Cofins (art. 50-A, inciso I).
Por fim, pode-se dizer que a alteração mais controversa proposta pela Lei 14.112/20 é a inclusão do inciso VI dentre as hipóteses de convolação da recuperação em falência. Com ela, o juiz pode decretar a falência das empresas quando identificado o “esvaziamento patrimonial” da devedora. O fato de tal hipótese ter sido incluída de maneira muito vaga, sem a adequada indicação do que corresponderia a esse esvaziamento, tem gerado certa perturbação entre os contribuintes. Contudo, importante destacar o trecho do inciso que parece ter ficado esquecido e que traz a necessidade de comprovação dos “prejuízos” aos credores, o que inclui as Fazendas Públicas. Desse modo, não é razoável esperar que o pedido poderá ser feito de maneira indiscriminada, restando manifesta a necessidade de comprovar que a empresa recuperanda está cometendo fraude e alienando seus ativos em efetivo prejuízo aos interesses do Fisco.
Não se pretende ignorar o fato de que a Lei n° 14.112/20 deixou de oferecer algumas contrapartidas importantes às empresas em recuperação. Esse cenário, certamente, aumenta a incerteza sobre como o Fisco atuará diante das suas novas prerrogativas, em especial aquela que lhe confere o direito de pedir a falência do devedor.
Parece não haver dúvidas de que algumas regras de proteção ao credor tributário eram necessárias, na tentativa de conferir um tratamento justo em relação aos demais credores da recuperação judicial.
No entanto, também é possível afirmar, com relativa segurança, que a reforma da Lei de Falências não cumpriu o que prometia em relação à concessão de benefícios fiscais negociados com as empresas em recuperação. Nesse contexto, é essencial que o aparente “super poder” do Fisco seja usado com responsabilidade, visto se tratar de uma medida gravosa que não deve ser aplicada a situações de inadimplemento pontual. Muito pelo contrário: a prerrogativa de pedir falência em caso de não pagamento das dívidas tributárias só se mostraria razoável caso imputada aos devedores contumazes, que usam a sonegação fiscal como estratégica de negócios.
Ainda é muito cedo para dizer se o Fisco atuará em respeito a essa premissa ou se irá abusar de seu “super poder” – o qual pode gerar repercussões bastante negativas, mas somente caso utilizado com irresponsabilidade.
Assista ao Minicurso gravado (06 de outubro a 27 de outubro de 2020):
Perícia Judicial em Contratos Financeiros
Assista as aulas
Aula 1: Conceito Financeiro da Taxa de Juros
Aula 2: Índices Econômicos para Cálculos Judiciais
Aula 3: Fundamento Jurídicos e Econômicos para Defesa do Consumidor
Aula 4: Estudo de Caso de Revisão Contratual