Medidas antiprocesso, anti-suit injunctions e julgamento do conflito de competência

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Medidas antiprocesso, anti-suit injunctions e julgamento do conflito de competência

Publicado originalmente

 

Por Alberto Lucas Albuquerque da Costa Trigo

 

Um tema que suscita diversos debates é exatamente a (in)existência de medidas e instrumentos processuais aptos a impedir o início ou prosseguimento de ação judicial ou de procedimento arbitral. No geral, está-se referindo a um possível controle prévio da atividade jurisdicional ou arbitral a ser desenvolvida.

 

O tema ganhou especial relevância com a apreciação, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Conflito de Competência nº 151.130, julgado em 27 de novembro de 2019. Em tal processo, analisava-se, em síntese, a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário estatal — notadamente pela Justiça Federal —, da competência de tribunal arbitral para inclusão da União Federal em procedimento arbitral movido por acionistas minoritários contra a Petrobras.

 

 

Veja-se que, em tal caso, acionistas minoritários iniciaram procedimento arbitral contra a companhia com a finalidade exclusiva de ver reparados os danos que sofreram em razão de numerosos e amplamente noticiados escândalos de corrupção. A União Federal, enquanto controladora da sociedade de economia mista, foi incluída no polo passivo do procedimento arbitral. Discutia-se, em última análise, eventual dever de indenizar da União Federal.

 

A União Federal, então, propôs demanda perante o Poder Judiciário, exatamente com o objetivo de impedir o tribunal arbitral de determinar sua participação em tal procedimento. Tal ação judicial deu origem ao conflito de competência que foi conhecido e julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a “a competência exclusiva do Juízo estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobrás em face da União e da Companhia[1].

 

 

Vê-se, com isso, o ressurgimento do debate sobre a existência de medidas cuja finalidade é o reconhecimento da impossibilidade do início ou prosseguimento de ação judicial ou procedimento arbitral. Para que se tenha mais claro como a doutrina e a jurisprudência vinham tratando sobre o tema, passemos em breve revista.

 

Normalmente, tais medidas são chamadas de anti-suit injunctions, que podem ser definidas, de forma simplificada, como decisões em ação judicial proposta com o objetivo de impedir o julgamento de determinada causa por órgão jurisdicional incompetente, seja ele estatal, seja ele arbitral.[2][3] É, em outras palavras, “uma ordem dada a uma das partes pela jurisdição de um Estado de não intentar uma determinada ação perante a jurisdição de outro Estado ou de um tribunal arbitral e, se já o fez, de desistir da referida ação[4].

 

Já se pode perceber que a ação em questão pode ser proposta antes de qualquer demanda por parte do réu, ou até mesmo após já ter ingressado em juízo ou instaurado o procedimento arbitral. Pode, portanto, ser preventiva ou repressiva, buscando impedir a propositura de ação ou instauração de procedimento arbitral — no primeiro caso —, ou a extinção — no segundo caso.

No Brasil, as medidas anti-processo têm sido vistas de forma bastante restritiva, especialmente pela jurisprudência. Em acórdão de relatoria do Desembargador e Professor Alexandre Freitas Câmara, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo decidiu-se que determinada ação seria “[v]erdadeira anti-suit injunction, incompatível com o sistema brasileiro, que assegura amplo acesso à jurisdição[5].

 

Normalmente, como se pode perceber, tal posicionamento decorre de uma interpretação extremamente ampliativa do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República. Segundo tal dispositivo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O preceito do acesso à justiça, garantia extraída do dispositivo transcrito, geraria a impossibilidade de controle prévio de pronunciamentos jurisdicionais. A (eventual) parte não poderia ter previamente negado seu direito de propor ação ou instaurara procedimento arbitral.

 

Por outro lado, deve-se esclarecer que não parece razoável vedar-se —ab initio — a propositura de ações que visem à declaração de inexistência de pretensão processual por parte de determinada pessoa. Isso por duas razões: (i) o Código de Processo Civil de 2015 deixa clara a possibilidade de propositura de ações meramente declaratória[6]; e (ii) a medida, se concedida pelo Poder Judiciário, não impediria de forma absoluta o acesso à justiça. Na verdade, no que diz respeito a esse último ponto, sendo concedida a medida anti-processo requerida, surgirá exceção, ou seja, direito de defesa que poderá ser apresentado pelo demandado com o objetivo de impedir a continuidade da ação proposta. O julgador terá, então, plena possibilidade de avaliar a existência — ou não — de pretensão à tutela jurídica.

Outro tema polêmico na doutrina especializada é a possibilidade de propositura de ação perante o Judiciário estatal com o objetivo de controlar previamente a competência de tribunal arbitral. Esse é exatamente o caso que foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja decisão apreciava a extensão da cláusula compromissória estatutária e a possibilidade de inclusão da União Federal no polo passivo do procedimento arbitral.

 

 

Especificamente no que diz respeito ao controle judicial prévio a respeito de procedimentos arbitrais, parece que a melhor solução é aquela segundo a qual, ressalvados os casos teratológicos, não é possível que o Judiciário controle previamente a competência dos árbitros para resolver determinada disputa[7]. Isso se dá até mesmo em razão do princípio da Kompetenz-Kompetenz, segundo o qual apenas o tribunal arbitral poderá decidir sobre sua própria competência[8].

 

 

Em resumo, a doutrina e a jurisprudência brasileira frequentemente enxergavam as medidas anti-processo como excepcionais, principalmente aquelas com o objetivo de controlar previamente procedimentos arbitrais. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça parece ter indicado, no Conflito de Competência nº 151.130, a necessidade de revisão de tal posicionamento. A solução parece gerar economia de tempo, evitando que o processo ou procedimento arbitral corra de forma descontrolada, dando origem a uma sentença que seria posteriormente anulada pelo Poder Judiciário.

 

[1] STJ, 2ª Seção, Conflito de Competência nº 151.130, Relator para Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 27 de novembro de 2019, publicado em 11 de fevereiro de 2020.

[2] “As anti-suit injunctions, ou ações judiciais com o objetivo de não permitir o julgamento por um órgão jurisdicional ou arbitral considerado incompetente, têm sido objeto de numerosos artigos nos últimos anos. Justifica-se, pois, o estudo do seu papel, no direito brasileiro, por ocasião do 10.o aniversário da nossa Lei de Arbitragem.” (WALD, Arnoldo. As anti-suit injunctions no direito brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 9, 2006, versão eletrônica, item 1).

[3] Para fins didáticos, manteve-se a abordagem frequentemente trazida pela doutrina. No entanto, deve-se perceber que a ideia de “injunction” normalmente perpassa aquela de decisões proferidas em sede de tutela provisória. De forma mais genérica, pode-se falar em medidas anti-processo.

[4] GAILLARD, Emmanuel. Anti-suit injunctions et reconnaissance des sentences annulées au siège: une évolution remarquable de la jurisprudence américaine. Journal du Droit International, n. 4, 2003, p. 1.106.

[5] TJRJ, 2ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0072538-57.2012.8.19.0000, Relator Desembargador Alexandre Freitas Câmara, julgado em 7 de janeiro de 2013, publicado em 10 de janeiro de 2013.

[6] “Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; II – da autenticidade ou da falsidade de documento.”

[7] “(…) não cabem medidas prévias para impedir a arbitragem, ressalvados tão-somente os casos real e ostensivamente aberrantes, incidindo, por analogia, contra a possível utilização do juízo arbitral o critério que se aplica à utilização do mandado de segurança em relação às decisões judiciais das quais caiba recurso com efeito suspensivo.” (WALD, Arnoldo. Os meios judiciais do controle da sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 1, 2004, p. 44). Nesse mesmo sentido, ver BARROS, Octávio Fragata Martins de Barros. A oposição judicial à arbitragem. A quem cabe decidir jurisdição. 2007. 180 f. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

[8] “The issuance of an anti-suit injunction based on a given court’s understanding of the validity and scope of an arbitration agreement clearly negates the principle of competence-competence.” (FOUCHARD, Philippe. Anti-Suit injunctions in international arbitration. What solutions? IAI Series on International Arbitration, n. 2. Berna: Juris Publishing, 2005, p. 155.

 

 

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