Justiça Multiportas: Análise à Luz da Aplicabilidade da Arbitragem como Método Adequado de Solução de Conflitos nos Contratos de Consumo

Publicado originalmente

Por Barbara Nolasco Araújo e Maria Izabel Pereira de Azevedo Altoé

Os estudos sobre a adequação do método de resolução de conflitos nos contratos de consumo são numerosos. Diante disso, utilizando da pesquisa bibliográfica, será objetivado nesse trabalho a análise da Arbitragem sob a ótica de sua utilização indiscriminada nos acordos consumeristas. Versando no tocante a anulação, quando não se evidencia que o consumidor foi devidamente cientificado, sendo vedada a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato. A pesquisa avalia também a interpretação dos tribunais acerca da cláusula arbitral nos contratos de adesão e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que concerne ao tema outrora mencionado.

1 Introdução

Com o advento da Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, a Arbitragem passou a ter grande relevância no direito brasileiro, visto que a sentença arbitral passou a ter força executiva própria, ou seja, não era mais necessário que o judiciário homologasse sua sentença para essa ter qualquer validade.

É notório o comprometimento do diploma nacional pela busca da modernização dos meios de acesso à justiça, abrindo outras possibilidades de resolver conflitos sem a necessidade de demandar o Poder Judiciário. Uma dessas possibilidades é a denominada Arbitragem, como Sistema Multiportas[1] que contribui para a “desjudicialização”[2], possibilitando às partes em comum acordo a escolha de um árbitro que irá solucionar a lide existente ou futura.

A arbitragem é a instituição privada, não no sentido de que o Poder Público não possa o prover, mas sim, porque essa é instalada exclusivamente por vontade das partes, devendo essas serem capazes. Aplica-se aos conflitos quanto a direitos disponíveis[3], caracterizando-se principalmente pela confiança dispensada pelas partes aos juízes arbitrais imparciais, que seriam indicados pelas partes, nomeados por juiz ou consentidos por elas em indicação de terceiro. Esses vêm a julgar esse conflito de interesses conforme seu douto entendimento, lhe dando uma sentença que tem força de coisa julgada[4], como na justiça comum.

Em se tratando do Direito do consumidor, existe ao longo da história uma demanda de proteção ao consumidor, porém, somente há pouco tempo tornou-se uma exigência geral da política legislativa. Sendo garantida em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, inciso V[5], da Lei 8.078/90 denominada Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a proteção do consumidor, através do Decreto 2.181/97[6], que regula a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, entre outros.

Assim, o direito consumerista se estabelece como tutela dos interesses da parte vulnerável da relação contratual. Exigindo do legislador, considerável cautela na legalização da disposição compulsória do direito de ação pelo consumidor, o que pode ser verificado com a adoção indiscriminada da arbitragem nas relações de consumo.

Neste trabalho, discute-se a legalidade da clausula arbitral nos contratos de consumo e consumo por adesão[7], a possibilidade de o vício ser sanado por reafirmação das partes, pela opção da arbitragem quando instaurada a lide, e ainda, qual o posicionamento da jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão da validade da cláusula arbitral nos contratos de consumo.

 

2 A Hipossuficiência do consumidor e o Direito Consumerista

As relações de consumo existentes desde os primórdios e com o passar dos tempos adquiriram complexidade. O impacto desta transformação econômica e social na coletividade impõe desafios, sendo necessário repensar o tradicional princípio do acesso à justiça, para que seja verificado de que forma este princípio pode e deve ser compreendido no âmbito de uma sociedade de consumo em massa[8].

Adam Smith, em seu tratado estabeleceu os princípios da economia de mercado competitivo:

O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o interesse do produtor deve ser atendido até o ponto, apenas, em que seja necessário para promover o do consumidor. A máxima é tão perfeitamente evidente por si mesma, que seria absurdo tentar prová-la (…). No sistema mercantilista, o interesse do consumidor é quase que constantemente sacrificado pelo do produtor; e ele parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim último e objeto de toda a indústria e comércio.

Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno[9], Consumidor pode ser conceituado como:

Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, tão somente econômica, psicológica ou sociológica, e concentrando-nos basicamente na acepção jurídica, vem a ser qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de serviços.

O Código de Defesa do Consumidor é sem dúvidas um grande marco para a população como um todo, haja vista que, visa proteger e equilibrar as relações de consumo. Ao passo que também é uma grande benesse para os fornecedores, garantindo-lhes a tutela de seus direitos, assim como a exposição de seus deveres.

Diante da simples e óbvia constatação de que todos nós somos, em maior ou menor grau, consumidores de bens e serviços a cada instante de nossas vidas, a Epístola Magna em seu art. 5º, XXXII[10], dispõe textualmente que dentre os deveres impostos ao Estado brasileiro, está o de promover na forma da lei, a defesa do consumidor.

Um dos princípiosda Política Nacional das Relações de Consumo[11]é o incentivo ao Sistema Multiportas de acesso à justiça no âmbito das relações de consumo. Assim, temos o Procon como um desses meios de dirimir as possíveis desavenças consumeristas e facilitar o acesso à Justiça, dando concretude às denominadas ondas renovatórias do direito de Mauro Cappellettie Bryant Garth a possibilidade de arbitragem.

Nas ações consumeristas os benefícios[12], ao se utilizar o método da Justiça Multiportas são inúmeros, podendo serem citados a satisfação das partes, celeridade, maior índice de cumprimento, fortalecimento dos laços dos escritórios de advocacia com os clientes, meio mais acessível, maior eficiência e redução de contingências judiciais.

A legislação consumerista[13] é clara em concluir que a cláusula que determina a utilização compulsória da arbitragem é nula de pleno direito. Apesar da vedação da arbitragem nas relações de consumo, deverá ser analisado o caso em concreto, pois, o que se exclui pelo compromisso arbitral é o acesso à via judicial, mas não à jurisdição. Não poderá ir à justiça estatal, mas a lide será resolvida pela justiça arbitral[14]. Em ambas há, por óbvio, a atividade jurisdicional.

O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que:

Só terá eficácia a cláusula compromissória já prevista em contrato de adesão se o consumidor vier a tomar a iniciativa do procedimento arbitral, ou se vier a ratificar posteriormente a sua instituição, no momento do litígio em concreto[15].

Isto posto, a convenção de arbitragem nas relações de consumo é válida sob condição de o próprio consumidor tomar a iniciativa ou expressamente ratificar. Todavia, tal regra não se aplica para o fornecedor[16].

Cabe ressaltar que, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a cláusula arbitral não prevalece quando o consumidor procura a via judicial para a solução de litígios.

3 As Inovações Trazidas pela Lei da Arbitragem

Com a evolução da história do sistema brasileiro, destacando-se a Constituição Federal de 1988, e ao após a Lei nº. 9.307/97 (Lei da Arbitragem)[17], abriu-se caminhos para a denominada Justiça Multiportas, já salientada anteriormente por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em seu livro Acesso à Justiça[18] publicado no ano de 1988.

Tendo como o método heterocompositivo[19] de resolver a lide, a arbitragem é um mecanismo onde um terceiro, podendo ser pessoa física ou jurídica, sendo esse denominado de árbitro, escolhido livremente pelas partes, resolve o conflito.

Já podendo salientar que a arbitragem é um instrumento particular, bem como, esse método de solução de conflitos é constitucional[20], pois, não há obrigação de seguir o caminho da arbitragem, e sim apenas com a clara manifestação de vontade, tratando-se de pessoas livres e capazes, abordando o direito patrimonial disponível.

Com a admissão do atual Código de Processo Civil, a arbitragem se consolidou no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando em seu dispositivo que“as causas cíveis serão processadas e decididas pelo órgão jurisdicional nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”[21]. Sendo este, mais um argumento contra a suposta inconstitucionalidade e veracidade da arbitragem na jurisdição brasileira.

Nesse mesmo cenário, foi apresentado em 2013, o projeto de reforma da Lei de Arbitragem, com o objetivo de atualizar o diploma nacional com pequenas alterações, que foi aprovado em maio de 2015, Lei nº 13.129- 2015.

Em regra, a arbitragem é de Direito, ou seja, as partes escolhem as Leis do direito para solucionar o conflito, porém, há a possibilidade da arbitragem por equidade, que é aquela que se aplica a justiça no caso concreto, em exceção a essa última possibilidade, não podem contratos que contrariam o direito ou os costumes do direito, como exemplo o jogo do bicho. Sendo importante apontarainda que, se tratando de interesse da Fazenda Pública, a arbitragem será sempre de Direito[22], respeitando o princípio da publicidade.

Podemos apontar as diferenças entre Cláusula Arbitral e Compromisso Arbitral das seguintes formas:

a) Cláusula Compromissória, na qual o litígio a ser discutido é futuro e incerto, em outras palavras, o litígio ainda não existe, comprometendo então as partes a subordinar-se a arbitragem, para solucionar possíveis litígios conforme art. 4º da Lei 9.307-96. Nesse contexto, a cláusula compromissória subdivide-se em cheia, quando já se determina no contrato todos os requisitos da arbitragem,e vazia, quando as partes não estabelecem no contrato os requisitos da arbitragem.

b) Compromisso Arbitral, no qual o litígio já existe e a convenção se dá por meio do qual, as partes se submetem a um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoa, podendo ser judicial ou extrajudicial[23]. O compromisso arbitral judicial é aquele que já foi ajuizado perante o poder judiciário, logo, seus termos são firmados nos autos do processo judicial. Após, a assinatura do compromisso arbitral pelas partes, encerram-se as funções do juiz, pois quem decidirá será o árbitro. Em contra partida, o compromisso arbitral extrajudicial dar-se quando não há existência de um processo judicial, devendo as partes efetivar o compromisso arbitral por escritura pública ou particular.

3.1 Procedimentos da Arbitragem

O Procedimento da arbitragem pode ser ad hoc[24], quando condicionado pelas partes, ou determinado pelo árbitro, através de um compromisso arbitral que será firmado na existência de um litígio futuro ou já existente, cabendo também o procedimento da arbitragem institucional, na qual será administrada pela instituição responsável pela administração da arbitragem, qual seja, a Câmara de Mediação e Arbitragem.

O árbitro deverá instruir a causa colhendo todas as provas pertinentes, para que haja uma composição necessária ao modo de ratificar seu convencimento. É importante destacar que na arbitragem vigoram as regras do ônus da prova, bem como, no procedimento caberá a possibilidade antecipação de tutela, que deve ser analisada pelo árbitro[25].

O procedimento que encerra a arbitragem é a sentença, proferida no prazo estipulado pelas partes, tendo a mesma natureza jurídica da sentença judicial, constituindo assim um título executivo judicial, se não cumprida será executada por intermédio do cumprimento de sentença, descrito no Capítulo V da Lei nº 9.307/96, vejamos:

Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.

(…)

Salientando que na Lei mencionada anteriormente em seu art. 26, transcreve os requisitos necessários para uma sentença arbitral.

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;

II – os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade;

III – o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e

IV – a data e o lugar em que foi proferida.

Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.

(…)

Por fim, cabe-se destacar que por se tratar de título executivo judicial é totalmente cabível o cumprimento de sentença, além do mais, como regra, não se cabe Recurso contra a sentença arbitral, porém, é cabível nesse procedimento os Embargos de Declaração.

 

 

4 A Arbitragem Como Método Adequado de Solução de Conflitos nos Contratos de Consumo

Adequa-senesta conjuntura, uma análise às normas do Direito do Consumidor em consonância à Lei n. 13.129, de 26 de maio de 2015, nossa recente Lei de Arbitragem. Com foco especial ao atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, que como veremos adiante consolida o entendimento da doutrina majoritária e do Poder Legislativo.

A norma consumerista é clara: A cláusula que determina a utilização compulsória da arbitragem é nula conforme art. 51, inciso VII do Código de Defesa do Consumidor. Importante salientar que o mencionado dispositivo legal trata dos contratos de consumo por adesão, assim definidos pelo artigo 54 do código civil de 2002:

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo[26].

Assim, não seria prudente o legislador autorizar que nos contratos de consumo se institua cláusula arbitral para diminuir os litígios. Ainda que estes digam respeito aos direitos patrimoniais disponíveis, como quer o art. 1º da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Lei da Arbitragem[27].

A realidade abarcada pelas relações de consumo consiste em expressiva disseminação dos contratos de massa, por viabilizarem o alto fluxo de contratações do mercado. Contratos formados por adesão e em escala máxima, mas admitindo ainda, certa atenção à subjetividade dos contratantes, como os contratos de fornecimento de certos bens de consumo.

O Pacto de Inclusão no nosso país, conforme atual redação do art. 4º parágrafo 2º da Lei de Arbitragem, institui que nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula.

Segundo Cláudia Lima Marques, são três os pré-requisitos do pacto de inclusão:

O primeiro requisito é que o consumidor tenha sido informado pelo fornecedor de que condições gerais serão utilizadas no futuro contrato. Para a doutrina alemã não basta que após o fechamento do contrato o fornecedor dê um recibo para o consumidor, onde no verso estejam impressas as cláusulas gerais pactuadas. Os consumidores têm que terem sido informados antes do fechamento do contrato da utilização das cláusulas contratuais gerais[28], assim também se o contrato for por escrito, deve haver uma menção em seu texto sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais.

O segundo pré-requisito para a inclusão das cláusulas contratuais gerais é subjetivo, é a possibilidade de o consumidor tomar conhecimento do conteúdo real das cláusulas contratuais gerais. Isto é não basta a simples menção de que cláusulas contratuais gerais serão usadas no contrato, é necessário que o sujeito (consumidor) comum possa ler e entender o que significam aquelas cláusulas, quais as obrigações e os direitos que está aceitando.[29] Relembre-se aqui que não raramente o vendedor procura introduzir suas cláusulas contratuais gerais no contrato de modo um pouco furtivo: um texto impresso em letras pequenas, de cor verde, um texto longo, de difícil leitura, impresso no verso de documentos. Nesse sentido, a exigência do Código de Defesa do Consumidor é de maior transparência e destaque, à título de exemplo veja art. 4º, caput[30], artigo 46[31]e artigo54, §4º[32].

O terceiro requisito é a aceitação, tácita ou expressa, do consumidor.Assim, se o fornecedor informa sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais e o consumidor, tendo tido a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo das cláusulas contratuais gerais impostas, aceita a oferta e fecha o contrato de consumo, aceitou a inclusão das cláusulas contratuais gerais em seu contrato especifico.

Também prevê a doutrina que possa haver uma aceitação anterior ao contrato, em uma convenção básica ou em um pré-contrato, principalmente no caso de relação contratual reiterada entre dois comerciantes. Note-se que o problema da inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos é, em última análise, um problema de interpretação da declaração de vontade do consumidor.

Destarte, o processo de formulação da Lei de Arbitragem N. 13.129, de 26 de maio de 2015 evidenciou o conflito existente no ordenamento jurídico brasileiro em relação à aplicação da arbitragem às relações de consumo.

Destaque para o veto ao texto original do parágrafo segundo que abarcaria três situações:

(i) Cláusula compromissória em contratos de adesão em geral;

(ii) Cláusula compromissória em contratos de adesão em relações de consumo;

(iii) Cláusula compromissória para relações societárias e em relação de emprego, não abarcada em nossa análise.

O veto se deu com a justificativa de que a reforma autorizaria, de maneira “ampla”, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifestação de vontade do consumidor deveria acontecer também no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato.

A redação do vigente artigo 4º, parágrafo 2º da atual Lei de Arbitragem vem como controle da arbitragem em contratos de adesão de consumo, a já mencionada cláusula arbitral.

Segundo Claudia Lima Marques, deve ser observado o princípio da transparência, significando que as cláusulas contratuais gerais unilateralmente elaboradas pelo predisponente só integrarão o contrato se o consumidor tiver conhecimento delas ou pelo menos tiver tido a oportunidade de ter conhecimento de sua inserção no contrato, antes ou durante a celebração do contrato, e aceitar o seu uso. Se o consumidor não foi informado de seu uso, se não houver transparência, o silêncio do consumidor não será interpretado como tendo aceitado a inclusão das cláusulas contratuais gerais.

Enfatiza-se que à proteção conferida pelo art. 46 do Código de Defesa do Consumidor, em razão de sua própria formulação, refere-se aos contratos de consumo concluídos por adesão a condições gerais predispostas ou contratos de adesão, e não aos contratos de consumo negociados ou paritários. Isto porque a efetiva negociação prévia e bilateral pressupõe o conhecimento e a compreensão, por ambas as partes, das cláusulas contratuais.

4.1Jurisprudênciasdo STJ

O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema foi disponibilizado na edição 122 de jurisprudência em Teses, com o tema Arbitragem extraído de julgados publicados até 22 de março de 2019.


Com destaque para duas teses: a primeira, define que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional, o que viabiliza a existência de conflito de competência entre os juízos estatal e arbitral, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o seu julgamento; e a segunda,estabelece que a legislação consumerista impeça a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato, mas não proíbe que, posteriormente, em face de eventual litígio, havendo consenso entre as partes, seja instaurado o procedimento arbitral.

Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a validade da cláusula compromissória, em contrato de adesão caracterizado por relação de consumo, está condicionada à efetiva concordância do consumidor no momento da instauração do litígio entre as partes, consolidando-se o entendimento de que o ajuizamento, por ele, de ação perante o Poder Judiciário caracteriza a sua discordância em submeter-se ao Juízo Arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização.[33]

Assim, o judiciário consolida o entendimento firmado pela doutrina, e regulamentado pela Lei de Arbitragem em consonância com as normas de Direito do Consumidor.

 

5 Considerações Finais

Em regra, deve prevalecer o Pacta Sunt Servanda[34], como garantia a segurança jurídica e a conservação dos contratos. Porém em caráter de exceção, tal princípio poderá ser relativizado pelos novos princípios contratuais, tais como: Boa Fé Objetiva; Princípio da Proteção; Princípio da Confiança; Função Social do contrato; e Equilíbrio Contratual. Assim, o magistrado deve observar se o contrato é efetivamente paritário e se as partes conservam a mesma igualdade de condições que ao tempo da celebração do contrato, com observância à cláusula Rebus Sic Stantibus[35].

As normas que regem o Direito do Consumidor reservam grande proteção aos mesmos, por se tratar da parte hipossuficiente da relação contratual. Haja vista, a maioria dos contratos de consumo são de adesão e ainda, quem detém o amplo conhecimento sobre a atividade é o fornecedor, torna-se impossível assim a aplicação do Pacta Sunt Servanda com todos seus efeitos.

É verdade que não se pode afastar de maneira absoluta e a priori a utilização de arbitragem em matéria de consumo, porque há exceção em que ela se torna admissível, como por exemplo, o compromisso arbitral firmado após o estabelecimento da lide, entretanto, na maior parte dos casos ela será insatisfatória.

Este é o entendimento do professor Nelson Nery Junior[36]onde delibera que:

Não se pode tolerar, por flagrante inconstitucionalidade, a exclusão pela lei, da apreciação de lesão a direito pelo Poder Judiciário, que não é o caso do juízo arbitral. O que se exclui pelo compromisso arbitral é o acesso à via judicial, mas não a jurisdição. Não se poderá ir à justiça estatal, mas a lide será resolvida pela justiça arbitral. Em ambas há, por óbvio, a atividade jurisdicional.

O Superior Tribunal de Justiça reafirma o entendimento da doutrina e da legislação sobre o tema, em repetitivo disponibilizado na edição 122 de jurisprudência em Teses, extraído de julgados publicados até 22 de março de 2019.

Portanto, a instituição do juízo arbitral com a escolha do árbitro é questão que depende de profundo conhecimento das partes e que deve ser deliberada em pé de igualdade real, de forma a não haver premência alguma de uma sobre a outra. Sendo que, cláusula compromissória em contrato de consumo por adesão, está condicionada à efetiva concordância do consumidor no momento da instauração do litígio entre as partes.

6 Referências

ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.).Tribunal multiportas: investindo no capital social para maximizar os sistemas de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012.

ARBITRAGEM: Estudos sobre a Lei nº 13.129, de 26-05-2015/ Organizadores: Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire. – São Paulo: Saraiva, 2016.

BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem: nos termos da Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014.

CHASE, Oscar G. Direito, Cultura e Ritual: Sistemas de Resolução de Conflitos no Contexto da Cultura Comparada. Trad.: Sergio Arenhart; Gustavo Osna. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

DIDIER JR., Fredie. Comentários ao novo código de processo civil. Arts. 1 ao 12. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

LEE , João Bosco. O princípio da confidencialidade na arbitragem comercial internacional. In: Valença, Clávio. Estudos de arbitragem. Curitiba: Juruá, 2009.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de defesa do Consumidor -O novo regime das relações contratuais. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 70.

MARTINS , Pedro Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 12 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

PINTO , José Emilio Nunes. A confidencialidade na arbitragem. RArb, n. 6, São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2005.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SCHMIDT, Agathe. Cláusula geral da boa-fé nas relações de consumo. Revista Direito do consumidor, nº 17, p. 156.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos Civis. Rio de Janeiro: Ed. Forense; São Paulo: Ed. Método, 2008.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.) As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 3. ed. São Paulo: Método, 2014.

VEDANA, Marcelo Malchow. Vantagens e desvantagens da arbitragem – um artigo sobre a utilização do método arbitral como alternativa ao processo judicial. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador, v. 1. Florianópolis: Habitus, 2001.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. São Paulo: RT, 1988.

WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.) A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984.

MAZZEI, Rodrigo; MERÇON-VARGAS, Sarah. In Novo Código de Processo Civil anotado e comparado. Simone Diogo Carvalho Figueiredo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2015.

Notas:

[1] O sistema multiportas ou tribunal multiportas, com inspiração no sistema americano (Multi-doorCourthouse System) é caracterizado por não restringir as formas de solução de controvérsias exclusivamente ao Poder Judiciário, oferecendo meios alternativos e, muitas vezes, mais adequados ao tipo de conflito, tais como negociação, conciliação, mediação e arbitragem, além de outros ainda menos usuais no país, mas que têm ganhado cada vez mais relevância, na construção civil em particular, como os dispute boards.

[2] Denota incentivar a solução de conflitos por meio de métodos alternativos extrajudiciais, desestimulando o ingresso de novos processos no Poder Judiciário, portanto, diz respeito à propriedade de facultar às partes comporem seus conflitos fora da esfera judicial, desde que sejam juridicamente capazes e que tenham por objeto direitos disponíveis, objetivando assim soluções sem a tramitação habitual dos tribunais, considerada morosa.

[3] As partes possam legalmente dispor.

[4] Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Tem como objetivo dar segurança jurídica às decisões judiciais e evitar que os conflitos se perpetuem no tempo.

[5] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V – Defesa do consumidor.

[6] BRASIL, Decreto nº 2.181 de 20 de março de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2181.htm> Acesso em: 15 de Maio de 2020.

[7] Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

[8] SIMÃO, Lucas Pinto. Os meios alternativos de resolução de conflitos e o dever/poder de o juiz incentivar a conciliação e a mediação. Revista: Direito Processual Civil. Disponível em: <https://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/meios-alternativos.pdf>Acesso em: 10 de Abril de 2019.

[9] FILOMENO, José Geraldo Brito Direitos do consumidor / José Geraldo Brito Filomeno. – 15. ed. rev., atual. e ref. – São Paulo: Atlas, 2018

[10] Art. 5º,XXXIITodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

[11] FILIZOLA, Antonia Júlia Campos. A Arbitragem e As Relações de Consumo. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/68792/a-arbitragem-e-as-relacoes-de-consumo> Acesso em : 13 de Março de 2020.

[12] VI Fórum de Projetos de Pesquisa em Direito. Universidade Estadual de Londrina – 24 e 25 de novembro de 2017 – GT 2 – Acesso à Justiça – Solução de Conflitos atinentes a Negócios Jurídicos Públicos e Privados envolvendo Interesses Individuais e Transindividuais.

[13] CDC – Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

VII ‐ determinem a utilização compulsória de arbitragem;

[14] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto, cit, pág 421

[15] REsp 1.189.050

[16] CALDAS, Renato Vinicius. SILVA, Ricardo Kobi da. A arbitragem nas relações de consumo. Disponívelem:<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI264259,91041A+arbitragem+nas+relacoes+de+consumo> Acesso em: 11 de abril de 2020.

[17] BRASIL. Lei Nº 9.307, de 23 desetembrode 1996.Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm>Acesso em: 10 de Abril de 2020.

[18] CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.1988.

[19] Heterocomposição: solução do conflito de interesses é imposta por um terceiro, sendo esses terceiros o juiz ou o arbitro. Sendo essa forma de solução de conflito, imperativa, adjudicada, no momento da sentença.

[20] CAHALI, RODOVALHO, FREIRE, 2016.

[21] BRASIL. Lei n.13.105, de março de 2015. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>Acesso em: 11 de Março de 2020.

[22] Incluído pela Lei nº 13. 129, de 2015.

[23] Lei 9.307/96.

[24] As partes escolhem quem será o arbitro, qual vai ser o procedimento adotado, se a sentença vai ser proferida no prazo que estabelece a Lei ou no prazo convencionado pelas partes.

[25] CARMONA, Carlos Alberto. 1998

[26] BRASIL.Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 13 de abril de 2020.

[27] Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[28] Lei alemã, AGBG §2º, I

[29] Assim também a contrário sensu, art. 46, in fine, do Código de Defesa do Consumidor.

[30] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios.

[31] Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

[32] Art. 54, § 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

[33] AgInt no aResp 1192648 / GO, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial, 2017/0274999-3.

[34] Pacta sunt servanda pode ser traduzido como a afirmação de força obrigatória que os pactos, contratos ou obrigações assumidas devem ser respeitados e cumpridos integralmente. Tem por ideia que o contrato celebrado foi firmado por iniciativa das partes, alicerçado na autonomia da vontade destes. Assim, cumpre a estes honrarem todo o pacto estabelecido. Sob esse aspecto é inadmissível a intervenção externa para alteração do estabelecido livremente entre os contratantes. (http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19969&revista_caderno=7 Acesso em 14 de Abril de 2020.)

[35] A cláusula rebus sic stantibus – estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão assim” – figura no universo do direito contratual como uma variável capaz de alterar os efeitos do pacta sunt servanda. Objetiva a execução do contrato nas mesmas condições em que pactuado, salvaguardando os contratantes de mudanças imprevisíveis e inesperadas. (http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19553&revista_caderno=7>) Acesso em 14 de Abril de 2020.

[36] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Anteprojeto, cit., p. 421.

Sobre os autores: Barbara Nolasco Araújo, Licenciada em Matemática pelo Centro Universitário São Camilo. Acadêmica do curso de Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. Pós graduanda em Direito do Consumidor pela Faculdade Damásio Educacional. E-mail: barbara.araujo04@hotmail.com

Imagem padrão
PericiaBR
Artigos: 343