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Juros nas ações revisionais de contratos bancários

Publicado originalmente

 

Por Lucas Fernandes Pompeu

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo trazer um panorama atual da questão envolvendo os juros nos contratos de financiamento bancários, sejam estas na modalidade de empréstimo consignado, alienação fiduciária, etc. Trata o artigo da conceituação de contrato, características, aplicação do CDC e entendimento atual da jurisprudência quanto à matéria.

Palavras – Chaves: Contrato. Bancário. Juros. Abusividade. Revisão

Índice: 1. Introdução 2. Sistema bancário 3. Contratos Bancários e Revisão 4. Código de Defesa do Consumidor 5. Abusividades, juros e jurisprudência atual 6. Conclusão.

  1. INTRODUÇÂO

O presente trabalho visa traçar um panorama acerca de uma das principais questões de direito material e processual envolvendo ações revisionais de contratos bancários.

Primeiramente, traçamos um panorama da questão bancária no Brasil e sua conjuntura atual. Posteriormente passamos à noção de contrato e suas principais características, trazendo ainda para os mesmos a questão envolvendo o Código de Defesa do Consumidor.

Posteriormente, passamos a analisar as questões de direito material e processual envolvendo as principais ações envolvendo direito bancário. Vamos ver os principais temas já pacificados pelo STJ, assim como a questão principal de juros.

Por final, concluímos explicitando o ponto central do trabalho – contrato bancário – bem como esta matéria vem sendo abordada atualmente, conjuntamente com suas implicações à sociedade de um modo geral.

  1.  SISTEMA BANCÁRIO

O Brasil é literalmente o País do carnaval. Não só para as escolas de samba e população em geral, mas principalmente para os – poucos – bancos que aqui existem. Não é ilícito, a bem que se diga, a cobrança de juros. Não há crime nisso, desde que, para qualquer pessoa mortal, seja o empréstimo limitado ao patamar de juros legais estipulado pela nossa legislação. Ocorre que, juros e outras taxas, de igual forma é pratica usual das denominadas entidades bancárias, e para estas, tudo é “um pouco diferente”. Em nosso país, a cobrança de juros é simplesmente uma das mais altas do mundo. Já estivemos em primeiro lugar neste famigerado posto, hoje, ao que se sabe, estamos na sexta posição no ranking, ficando atrás de outros países como Argentina, Rússia, etc[1]. Em nosso Sistema Financeiro, é permitido aos bancos estabelecerem livremente suas taxas de mercado, autorização esta que foi outorgada pela Resolução Bacen 389/76, que assim dispõe:   

I – Ressalvado o disposto no item II, as operações ativas dos bancos comerciais serão realizadas, a partir desta data, a taxas de mercado.

Nosso sistema, por mais incrível que pareça, outorga aos próprios bancos uma espécie de auto-regulamentação quanto à esta questão de taxas, limitando-se apenas a gerenciar o mercado por meio de seu banco Central, como bancos de natureza estatal.  O resultado é que o brasil, como dito, reporta às estas instituições lucros exorbitantes, que fazem um agiota corar de vergonha.

O banco literalmente pega um dinheiro que não é seu, empresta para determinada pessoa, e nisso, aufere um lucro monumental. Monumental, não estamos exagerando. Veja: você, após um suado mês de trabalho, acaba por economizar um determinado valor proveniente de seu salário. Nada mais jutos. Então, resolve guardar esse valor em um banco, na modalidade de guarda mais utilizada ainda pelos brasileiros, ou seja, a poupança. O banco recebe de bom grado seu dinheiro, e por ele estar ali aplicado, lhe fornece hoje cerca de 0,37% de juros ao mês. Isto, multiplicado ao ano, daria (sem capitalizar, outra prática comum) 4,44% ao ano. Se você deixasse seu dinheiro guardado por um ano junto ao banco, ele lhe pagaria então, 4,44% de juros pelo período. Aí vem a mágica: este seu dinheiro, o banco pega, e empresta para outras pessoas que precisam. Para isto, chega a cobrar – pasme – juros que chegam aos absurdos 700% ao ano. Isto mesmo, 700, 600% ano, não é raro[2]. Entendeu porque a atividade é tão lucrativa? Se autorregula. Assim, pega um dinheiro que não é seu, paga 4,44% de juros por isso, empresta-o, e aí cobra 700% de juros. Lucra, então, somente nesta operação, cerca de 696% de juros, digamos.

Claro que, podemos pensar, que tal prática não é justa, sendo facilmente repelida pela justiça. Entretanto, pense que, de cada cem clientes que tomam um empréstimo abusivo nestas condições, cerca de no máximo 5% deste número acaba por reclamar na justiça a abusividade. Dá lucro, literalmente. Perde-se naqueles cinco por cento que ingressam judicialmente, entretanto, os outros 95% seguem pagando normalmente. Ou pior: se vierem se endividar, acabam por tomar novos empréstimos a fim de cobrir os anteriores, gerando assim o fenômeno do superendividamento, que nada mais é do que a impossibilidade momentânea do devedor/consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas de consumo. Esta situação tem as mais variadas causa, sendo as mais comuns a má avaliação do orçamento doméstico ou de circunstâncias imprevistas como desemprego, doença, divórcio, entre outros. Nada tão absurdo que não possa ocorrer com qualquer um.

Neste meio tempo, o carnaval segue, eis que bancos vão lucrando e lucrando cada vez mais, atingindo níveis estratosféricos.    

   

  1. CONTRATOS BANCÁRIOS E REVISÃO

Claro que esta relação entre banco x consumidor, pende de materialização. Como materializa-se? Pelo meio mais simples e antigo existe em nossa sociedade, mais precisamente contratos. Não existe uma opinião unânime sobre o que seria o conceito do termo “contrato”, porém, poder-se-ia dizer que o termo significa, nada mais nada menos, do que o ajuste duradouro de vontade entre determinadas partes. Na prática, as relações entre particulares e os bancos materializa-se, ou seja, regulamenta-se e vem ao mundo por meio de ajustes por escrito, os quais possuem, em sua maioria, regulamentos específicos.  

Nestes contratos, geralmente há dois polos: um ativo, geralmente a instituição bancária, o polo passivo, geralmente o consumidor que toma crédito e/ou beneficia-se de algum outro serviço oferecido pela instituição. Por vezes, ainda há a figura de uma terceira pessoa garantidora, que seria o fiador/avalista. As operações, segundo uma doutrina mais clássica, podem ser dividir ainda em questões típicas (que seriam relações de recebimento e oferecimento de valores ao público geral) e operações atípicas (que seriam atividades que guardam relação com os serviços principais, como recebimento de contas, guarda de objetos, etc).

Dentre os principais contratos bancários, destacam-se, entre outros:

Depósito Bancário

Mútuo bancário

Abertura de Crédito

Depósito e Conta Corrente

Operações de Câmbio

Cartão de Crédito

Financiamento para aquisição de bens mediante alienação fiduciária / arrendamento mercantil

 

Os contratos bancários, em sua esmagadora maioria, possuem uma característica em especial, mais especificamente a questão de se tratarem de contratos de adesão. O que significa isto? Na esmagadora maioria das vezes, não é dado ao consumidor discutir o teor das cláusulas postas no corpo do documento. As condições são, de forma geral, pré-estabelecidas pela parte proponente, cabendo ao polo passivo, parte mais vulnerável, apenas aceitar ou não a situação.

Com a massificação de tais operações, vem norteando nossa jurisprudência há tempos o abrandamento do velho brocardo pacta sunt servanda, o qual nos dizia basicamente que contratos eram para serem cumpridos, sem mais delongas. Hoje, entende-se diante do panorama que estes contratos, de adesão por natureza, não só podem como devem ser revistos à luz de princípios como equidade, boa-fé, transparência, etc). A propósito, cumpre destacar a lição de ninguém menos que o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que nos diz que a revisão contratual bancária deve ser ampla e profunda:

“A renovação dos contratos bancários, com o pagamento de saldo apurado ou a confissão da dívida, com ou sem renegociação de cláusulas e condições, não significa a perda do direito de ir a juízo discutir a eventual ilegalidade do que foi contratado. Isso fica ainda mais nítido quando se trata de contratos de adesão, com prorrogação automática. O direito a declaração de invalidade de cláusula contratual não se extingue com a prestação nela prevista, pois muitas vezes o obrigado cumpre a sua parte exatamente para poder submeter a causa a juízo, ou, o que é mais freqüente, para evitar o dano decorrente da inadimplência, com protestos, registros no SPC, SERASA e outros efeitos.

 

Por isso, não há razão para limitar o exercício jurisdicional na revisão de contratos sucessivamente renovados, especialmente quando a dívida, que é no último reconhecida, ou que serve de ponto de partida para o cálculo do débito, resulta da aplicação de cláusulas previstas em contratos anteriores, em um encadeamento negocial que não pode ser visto isoladamente, apenas no último contrato. Ainda que se entendesse novada a dívida, não se validaria a obrigação nula (art. 1007 do CCivil). Portanto, não tem razão o banco quando pretende estreitar o âmbito da revisão judicial, ainda mais porque a eg. Câmara reconheceu a continuidade e unidade negocial para a revisão da contratualidade em toda a sua extensão, incidindo, quanto ao ponto, as Súmulas 5 e 7/STJ.”[3]

A questão, ultimamente, é pacífica no STJ, o qual entende perfeitamente possível a possibilidade de revisão de encargos constantes em contratos bancários, ensejando em uma flexibilização do pacta sunt servanda.

Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO. MERA NEGATIVA. IMPUGNAÇÃO DEFICIENTE. ENUNCIADOS 283 DA SÚMULA DO STF E 182 E 297 DO STJ. ARGUIÇÃO INFUNDADA.

  1. Incide por analogia o enunciado 182 da Súmula do STJ à matéria cujos fundamentos não foram impugnados suficientemente no regimental.

  2. \”O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras\” (Súmula 297, do STJ).

  3. Como decorrência disso, é pacífica na jurisprudência deste Tribunal Superior a possibilidade de revisão das cláusulas dos contratos bancários.

  4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1385831/PI, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/2014, DJe 01/08/2014. Negritos nossos.)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. CONTRATOS DE CONFISSÃO E COMPOSIÇÃO DE DÍVIDA. Controvérsia sobre incidência abusiva de juros e prática de anatocismo. Possibilidade de utilização dos embargos do devedor para deduzir pleito revisional. Falta de exibição dos contratos bancários. Inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Retorno dos autos ao tribunal de origem para que, reconhecida a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais nos embargos do devedor, prossiga no julgamento da apelação. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (AgInt no AREsp 16.047/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 29/08/2017)

Vale, no ponto, a lição precisa da Des.ª Liége Puricelli Pires, do Tribunal de Justiça do RS, nos autos da apelação cível nº 70081241044, que ao se manifestar sobre a possibilidade de revisão de contratos bancários, assim manifestou-se:

“O contrato firmado é padronizado, típico de adesão. Lei, doutrina e jurisprudência cada vez mais se harmonizam no sentido de considerá-lo como tal, sujeitando-o às normas que favorecem o consumidor, considerado (em tese), hipossuficiente. A Constituição de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, em sintonia com as regras do Direito Civil, são exemplos da positivação deste entendimento jurídico. Se considerarmos o tipo de sociedade em que vivemos, o crédito é um bem de consumo de primeira necessidade. Ao consumidor não resta escolha, sendo idealístico o argumento que a concorrência imposta pelo sistema é abundante. Ainda que possamos admitir que seja ela abundante, pois realmente existem inúmeras instituições neste ramo, todas vendem o mesmo bem pelas mesmas condições.

Para disciplinar questões análogas, foi editado o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, no qual foram acolhidos os princípios doutrinários que possibilitam a revisão do contrato, a fim de restabelecer o equilíbrio entre os contratantes. Esse diploma legal consagra antigos e relevantes princípios doutrinários, harmonizando-se com o nosso ordenamento jurídico, que contém cláusulas gerais como as enunciadas nos artigos 3º, incisos I, II e III, 5º, §1º, e 170 da CR, e concretizando importantes princípios constitucionais indispensáveis à cidadania.

Por definição legal, art. 3º, § 2º, do CDC, os serviços bancários são regidos pelas normas do constitucional estatuto, amoldando-se o banco na situação jurídica de fornecedor e o cliente, na de consumidor, aplicando-se a este, por força da norma protetiva do artigo 4º, inciso I, o reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado de consumo. A aplicação das normas já referidas em conjunto com as previstas no artigo 39, V, combinadas com o artigo 51, IV e XV, ambos do CDC, conduzem à completa revisão das cláusulas contratuais abusivas.

O artigo 51, IV, do CDC considera nulas de pleno direito as cláusulas iníquas, que coloquem o consumidor em exagerada desvantagem ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, em que pese os termos da Súmula nº 381 do STJ, de questionável cientificidade jurídica.

Assim, as cláusulas insertas nos contratos bancários, como sói ocorrer em qualquer espécie de contrato privado, estão sujeitas à revisão pelo Poder Judiciário, quando devidamente provocado, inclusive os contratos findos (Súmula n. 286 do STJ)”[4]

Toda esta questão da caracterização dos contratos bancários em si, como a possibilidade de revisão citada acima, sedimentada pela nossa jurisprudência, tem como fundamento base única e exclusivamente o princípio fundamental-constitucional da dignidade da pessoa humana. Durante muitos anos, empresários e o público em geral entendia que os bancos seriam uma classe quase que inatingível dado o seu poder de fogo e papel hegemônico no país. Com o passar do tempo, entretanto, especialmente diante às disposições do CDC – Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.8.078/90, todo o ordenamento passou a entender os malefícios de práticas abusivas, conforme visto no trecho de julgado colacionado acima.

Passou-se a perceber o modo abusivo com que os bancos agem e que, nada mais necessário do que a pronta intervenção do Estado para equilibrar de alguma forma esta relação. O Banco, em suma, não tem o direito de se aproveitar de uma necessidade vital do público geral – dinheiro – para com isto, a seu bel prazer, cobrar aquilo que bem entende, como bem entende, quando bem entende. O respeito pela dignidade do homem passa, necessariamente, pela atuação dos bancos pautadas nos princípios já mencionados da boa-fé e equidade, tudo visando cada vez mais uma sociedade justa e igualitária.     

  1. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Conforme visto acima, um dos grandes paradigmas que possibilitou a revisão de encargos bancários judicialmente foi a edição da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, nosso denominado “Código de Defesa do Consumidor”. Seu objetivo foi de implantar uma política uma política nacional de consumo, finalidade esta claramente explícita em seu artigo 4º, tudo por meio de normas de ordem pública e interesse social. Melhor explicando, normas cogentes, destinadas a tutelar o interesse patrimonial e moral de todos os consumidores de forma geral. Desde sua publicação, calorosos debates foram travados na jurisprudência acerca da incidência – ou não – das normas contidas na Lei 8.078/90 em relação aos serviços bancários de forma geral.

Imperioso ressaltar um caso emblemático. Em dezembro de 2001 a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) protocolou junto ao STF a ADIn 2591, na qual constava um pedido de liminar, objetivando, em suma, a não-aplicação do CDC às atividades de “natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”.

O argumento seria basicamente o seguinte: vício de inconstitucionalidade estaria patente, eis que haveria nítida violação ao artigo 192 da Carta Magna, dispositivo que dispõe que a regulação do Sistema Financeiro Nacional seria matéria de lei complementar, e não do CDC, uma lei ordinária.

Dispõe o referido artigo:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)

Após longa tramitação, o STF considerou constitucional o parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor. Em outros termos, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitárias deviam ser incluídas no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo.

Já o STJ, ao longo dos anos, foi posicionando-se no mesmo sentido, em diversos precedentes que batiam a sua porta.

Em seus primeiros anos de aplicação, os bancos naturalmente que relutaram a enquadrar clientes como consumidores. Segundo notícias, “um dos primeiros casos foi julgado no STJ em 1995, pela Quarta Turma, e envolveu o Banco do Brasil. O cliente gaúcho queria a revisão de contrato e a análise da nulidade de uma cláusula. Foi atendido pela Justiça estadual, mas o banco recorreu ao STJ, alegando que não poderia ser aplicado o CDC e, por isso, seria possível a substituição da taxa de juros no caso de falta de pagamento”[5].

O voto do ministro Ruy Rosado, atualmente aposentado, afirmou que o banco “está submetido às disposições do CDC, não por ser fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços”. Entendeu também que os direitos do cliente “devem ser igualmente protegidos como os de qualquer outro, especialmente porque nas relações bancárias há difusa utilização de contratos de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário” (Resp 57974). Decorrência lógica do entendimento que foi sendo adotado, após anos de debates, o STJ aprovou a Súmula 297, segundo a qual “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Quanto ao cerne da questão, vale ainda a lição no Ministro Ruy Rosado de Aguiar nos autos do RESP 106.888-PR:

Por fim, vale referir que o cliente do banco, seja depositante ou mutuário, está sujeito a práticas comerciais previstas em contratos de adesão escritos pelo estabelecimento, cujas cláusulas dispõem sobre as prestações devidas por ambas as partes; sobre sanções, multas e taxas em razão da inadimplência; sobre garantias; sobre a correção monetária dos saldos; sobre informações, etc. Essas relações contratuais verifi cadas no negócio bancário permitem práticas que podem contrariar os princípios do CDC, daí por que o cliente delas está protegido, a teor do art. 29, que estende o conceito de consumidor a todos quantos se encontrem nessa situação. Logo, ainda que não existisse serviço ou produto na atividade bancária (hipótese em que passaria a atuar num campo indecifrável e inatingível), ainda assim o seu cliente estaria sujeito a práticas comerciais reguladas nos contratos bancários de adesão, e só por isso protegido pelas normas do CDC.

Eis ainda alguns precedentes da Corte superior:

Código de Defesa do Consumidor. Bancos. Cláusula penal. Limitação em 10%. 1. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defeso do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor fi nal dos serviços prestados pelo banco. 2. A limitação da cláusula penal em 10% já era do nosso sistema (Dec. n. 22.926/1933), e tem sido usada pela jurisprudência quando da aplicação da regra do artigo 924 do CC, o que mostra o acerto da regra do artigo 52, parágrafo 1º, do Codecon, que se aplica aos casos de mora, nos contratos bancários. Recurso não conhecido. (RECURSO ESPECIAL N. 57.974-RS – 94.386150)

Cédula de crédito comercial. Embargos à execução. Capitalização mensal dos juros. Código de Defesa do Consumidor. I – Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contempladas no art. 3º, parágrafo segundo, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor. II – A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que é admissível a capitalização mensal dos juros, desde que pactuada (Súmula n. 93, do STJ). III – Ausência, no caso, de pacto de capitalização mensal dos juros. IV – Recurso não conhecido. (RECURSO ESPECIAL N. 175.795-RS)

Assim, após alguns anos, como dito, sedimentou-se o entendimento de que as normas consumeristas são plenamente aplicáveis às instituições bancárias, e por conseguinte, aplicáveis aos contratos por elas entabulados. Com isso, abriu-se a porteira da revisão de encargos e práticas tidos como   abusivas, possibilitando uma flexibilização significativa do princípio do pacta sunt servanda, atentando-se para a posição de hipossuficiência do consumidor na relação. 

  1. ABUSIVIDADES, JUROS E JURISPRUDÊNCIA ATUAL

Até o momento, observamos o sistema financeiros nacional, assim como a questão da aplicação das normas do CDC aos contratos bancários. Agora, passaremos a analisar o principal tema destes contratos, cujo entendimento já encontra-se pacificado pelo entendimento de nossas cortes, os juros remuneratórios.

Primeira constatação que devemos fazer é acerca dos juros remuneratórios é seu conceito: os juros remuneratórios de um contrato é nada mais, nada menos que um valor que se paga pelo cliente à instituição financeira, com o objetivo de se remunerar o dinheiro emprestado durante o período da contratação.

Imperioso constarmos a diferença deste para os chamados juros de mora, que nada mais é do que o valor cobrado pela inadimplência do pagamento daquela prestação. São duas coisas absolutamente distintas. Juros remuneratórios (ou juros compensatórios) nada mais são – repisa-se – que aqueles juros inseridos em determinadas negociações visando compensar o fornecimento do capital/crédito tomado. Geralmente é instituído dentro da parcela a que obriga-se o consumidor, complementando o da contraprestação assumido.

Durante vários anos, surgiam teses de que os contratos bancários deveriam ter juros limitados à 12% a.a. As alegações favoráveis à uma limitação drástica baseavam-se na norma constitucional contida no parágrafo terceiro do artigo 192, que assim colocava:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

(…)

  • 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

A revogação, entretanto, do art. 192, § 3º, da CF/88 pela EC nº 40, de 20 de maio de 2003 praticamente pôs fim a discussão quanto à limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano, circunstância a qual acabou por gerar ainda o tema 25 do STJ, que expressamente estabelece que “a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”

Mas isto, então, significa que bancos podem cobrar a taxa de juros remuneratórios que bem entende, sem qualquer espécie de controle? Não. A tese que se firmou com o passar do tempo é que, a taxa de juros contratada deve estar sempre dentro da média do mercado para operações similares na época da contratação.

Todo mês, o Banco Central[6] divulga a média de juros praticadas pelos bancos nas mais variadas modalidades de operações, tais como aquisição de veículo, empréstimos consignados, etc. Quando determinada taxa de juros posta a apreciação do poder judiciário se mostra discrepante acima da média de mercado, a justiça vem entendendo então que se pode reduzi-la a média divulgada.

Entretanto, forçoso se frisar que o simples fato de os juros remuneratórios contratados serem superiores à taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade. É preciso, como dito, que a taxa tenha uma diferença substancial da média do mercado, já que, como o próprio nome diz, com perdão da redundância, a “média” é simplesmente uma média, não correspondendo à um número absoluto e cogente.

questão, de igual forma, chegou ao STF, o qual assim manifestou-se:

É constitucional o art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001 (“Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”). Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade do dispositivo, tendo em conta suposta ofensa ao art. 62 da CF (“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”). Preliminarmente, o Colegiado afastou alegação de prejudicialidade do recurso. Afirmou que o STJ, ao declarar a possibilidade de capitalização nos termos da referida norma, o fizera sob o ângulo estritamente legal, de modo que não estaria prejudicada a análise da regra sob o enfoque constitucional. No mérito, enfatizou que a medida provisória já teria aproximadamente 15 anos, e que a questão do prolongamento temporal dessas espécies normativas estaria resolvida pelo art. 2º da EC 32/2001 (“As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”). Além disso, não estaria em discussão o teor da medida provisória, cuja higidez material estaria de acordo com a jurisprudência do STF, segundo a qual, nas operações do Sistema Financeiro Nacional, não se aplicariam as limitações da Lei da Usura.

[RE 592.377, rel. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Teori Zavascki, P, j. 4-2-2015, DJE 55 de 20-3-2015, Tema 33.]

Ao entender pela não aplicação da lei de Usura às instituições bancárias, o STF abriu caminho ao entendimento, de igual forma, que não há que se limitar a taxa dos juros em 12% aa. Logo, editou-se a súmula 596, que diz que “as disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.” 

Como bem ressaltou o Desembargador João Moreno Pomar do TJ/RS nos autos da apelação nº 70082214115, “as instituições financeiras podem pactuar livremente os juros remuneratórios, tendo em vista a ausência de diploma legal determinando a limitação da taxa de juros e por inaplicáveis as disposições da Lei de Usura às operações realizadas por instituições financeiras, conforme Súmulas 596 do STF e 296 do STJ. No entanto, se os juros livremente pactuados ofenderem a função social do contrato e a boa-fé objetiva, causando uma onerosidade excessiva ao consumidor, possível a sua anulação, em vista da aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor às operações bancárias e também do artigo 187 do Código Civil[7]

Eis alguns julgados pertinentes:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. INOVAÇÃO RECURSAL. TARIFAS BACÁRIAS. A matéria recursal limita-se às teses suscitadas pelas partes ou motivadoras da decisão recorrida. O recurso que pretende o exame de questões que não foram suscitadas no juízo a quo caracteriza-se pela inovação recursal e não merece conhecimento. – Circunstância dos autos em que no ponto se impõe não conhecer no recurso. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA. CONTRATO OMISSO. Os juros remuneratórios nos contratos bancários não estão limitados a 12% ao ano; e quando ausente a fixação no contrato devem ser aplicados à taxa média de mercado nas operações da espécie, divulgadas pelo Banco Central, BACEN, salvo se aquela cobrada for mais vantajosa para o tomador, como ditou o e. STJ na Súmula 530/2010. – Circunstância dos autos em que ausente o contrato; e se impõe manter a sentença. CAPITALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. A capitalização com periodicidade mensal é lícita quando pactuada nos contratos firmados após 31/03/00 data de publicação da Medida Provisória n. 1.963/00 cuja constitucionalidade foi reconhecida quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.377. A capitalização deve vir pactuada de forma expressa e clara em cláusula que a nomine e indique a taxa efetiva (anual) superior ao duodécuplo da taxa nominal (mensal) para evidenciar a contratação de juros compostos. Recurso Especial n. 973.827/RS representativo de controvérsia. – Circunstância dos autos em que se impõe manter a sentença. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COMPENSAÇÃO. REVISIONAL. Na ação revisional é devida a repetição do indébito na forma simples – independente de prova de erro – se aferidos e compensados os valores para cumprimento da sentença resultar excesso de pagamento. A repetição em dobro requisita prova de má-fé que não se presume com a revisão contratual. – Circunstância dos autos em que havendo revisão se impõe manter a sentença que admitiu repetição e compensação. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70082154725, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em: 24-07-2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CONTRATO. TUTELA DE URGÊNCIA. Flagrada a abusividade dos juros remuneratórios, pactuados em índice significativamente superior à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN para operações similares na época da contratação, mostra-se possível, em fase de cognição sumária, a vedação da inscrição do nome do autor em cadastros de inadimplentes, bem como a sua manutenção na posse do veículo alienado fiduciariamente, medidas condicionadas ao depósito dos valores incontroversos. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70082252818, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em: 23-07-2019)

Assim então, quantos aos juros remuneratórios, deve sempre se atentar á taxa média do mercado para a operação. Caso constatada uma diferença significativa em relação a mesma, estamos sim diante de um nítido caso de abuso, onde a parte prejudicada poderá pleitear a revida redução judicialmente.

Vale ainda ressaltar que a questão dos juros é analisada por conta dos pedidos de antecipação de tutela. No caso, quando geralmente se pede algo relacionada à antecipação de tutela em demandas revisionais, os tribunais analisam, de imediato, os encargos praticados dentro do período da normalidade, dentre estes, os juros remuneratórios (e capitalização de juros, outro tema).

Se a parte consegue, de imediato, mediante constatação junto ao Banco Central (site anteriormente descrito), mostrar que a taxa de juros está discrepante, os tribunais de imediato pode readequar valores mediante deposito com base nesta média, podem deferir medidas como abstenção de inscrição dos nomes do autor em órgãos de proteção ao crédito, etc, tudo isso com base nas normas de direito do consumidor e princípio da boa-fé, já tratados.

6 . CONCLUSÃO

Como vimos, a atividade bancária no Brasil é intensa, sendo o mesmo um paraíso para instituições bancárias de modo geral. Aqui se pede muito dinheiro, bem como se cobra juros altíssimo em relação à isto. Não há legislação específica que trata do tema, apenas entendimentos que foram consolidados com o passar do tempo, e hoje aplicados por nossos tribunais de maneira geral.

Com base na evolução de nossa legislação, principalmente no que concernente à proteção dos direitos do consumidor, aos poucos nossa jurisprudência foi entendo que seria plenamente possível a revisão de encargos bancários pactuados em contrato, num claro abrandamento ao princípio que diz que os contratos – como ajustes de vontades – deve ser cumprido nos termos em que pactuado. No campo jurisprudencial e doutrinário, formou-se uma corrente aceitando essa revisão.

Houve toda uma celeuma em relação ao coração de um contrato bancário, que nada mais é, a estipulação dos juros remuneratórios. Primeiramente, houve uma forte corrente tentando limita-los à 1% a.m, como seria para qualquer reles mortal. Sem sucesso. Entretanto, nossos tribunais entendem que no caso, “o céu não é o limite”, sendo que, para uma análise acerca de eventual abusividade, cabe o confronto com a taxa média divulgada pelo Banco Central para operações semelhantes, tudo visando um julgamento equânime.  

Tudo isto visa a criação de uma sociedade cada vez mais forte e homogenia em dignidade. Acabou a farra dos bancos? Talvez não. Ainda lucram rios de dinheiro, porém, abriu-se um sol, onde se percebe claramente que há um limite. Talvez ao futuro, quem sabe, venha uma legislação regulando em definitivo o tema. Se assim Deus – e os bancos – quiserem.

BIBLIOGRAFIA:

RODRIGUES, Mauro Sérgio. Prática de Direito Processual Bancário: Na Visão do Consumidor Bancário. Campinas, SP. Millenium Editora, 2007. 

CAVALIERI FILHO. Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo, SP. Atlas, 2008.

FARIAS, Cristiano Chaves. Curso de Direito Civil. Contratos. Salvador, BA. Jus Podium, 2012.  

NOTAS:

[1] https://exame.abril.com.br/economia/so-5-paises-tem-juros-reais-maiores-que-brasil-mas-situacao-ja-foi-pior/

[2] A 22ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, nos autos do processo nº 1000037-68.2015.8.26.0233, em que figurava no polo passivo o Banco Crefisa, decidiu, por unanimidade, que não é certo cobrar do cliente, no caso, juros anuais acima de 700%.

[3]https://scon.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?processo=247499.NUM.&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true#DOC3

[4] https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php

[5] https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/113058/aniversario-do-cdc-sumulas-285-e-297-do-stj

[6] https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries

[7] Art. 187 da Lei 10.406/02: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

 

 
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