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A Polêmica sobre a Cédula de Crédito Bancário

Publicado originalmente

Por SASP

 

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou recentemente o entendimento de seu colegiado de que as cédulas de crédito bancário (CCBs) constituem valores mobiliários, desde que: sejam objeto de oferta pública; e a responsabilidade da instituição financeira por seu adimplemento tendo sido expressamente excluída do título. Tal conclusão, que está causando grande polêmica no mercado, fundamenta-se no argumento de que as CCBs constituem contratos de investimento coletivo. Assim, recomendou à área técnica que elabore uma instrução para regular o registro das emissões e dos emissores de CCBs. Tal entendimento é manifestamente equivocado, conforme demonstraremos a seguir.

Limitação de juros remuneratórios nos contratos bancários

As cédulas de crédito bancário foram inicialmente criadas por meio da Medida Provisória nº 1.925, de outubro de 1999, e, posteriormente, após inúmeras reedições da referida Medida Provisória, vieram a ser disciplinadas pela Lei nº 10.931, de agosto de 2004. O seu surgimento objetivou remover os entraves à concessão de financiamentos bancários em nosso ordenamento jurídico, os quais decorriam, principalmente, da insegurança e instabilidade oriundas de controvérsias existentes nos tribunais, relacionadas, entre outras questões, à possibilidade de capitalização dos juros e à conferência de força executiva aos contratos de concessão de crédito celebrados pelas instituições financeiras e seus clientes. De acordo com o artigo 26 da Lei nº 10.931, de 2004, a CCB constitui uma promessa de pagamento em dinheiro, necessariamente lastreada em uma operação de crédito de qualquer modalidade e submete-se ao regime jurídico dos títulos de crédito.

Trata-se a CCB de um título de crédito estrito senso, dotado de cartularidade – sendo vedada a emissão escritural da cédula -, literalidade, autonomia e causalidade, visto que ela deve ser necessariamente vinculada a uma determinada operação de crédito.

As CCBs são negociadas não no mercado de capitais, mas no mercado de crédito, no qual as operações se realizam por meio da intermediação das instituições financeiras na concessão de empréstimos ou financiamentos. Nestas operações, o investidor não almeja participar do negócio desenvolvido pelo empreendedor ou dos lucros por este gerados, mas apenas visa à remuneração do capital por ele emprestado. Tais operações de natureza creditícia não estão subordinadas ao regime legal dos valores mobiliários e à fiscalização da CVM, mas, ao contrário, são reguladas e supervisionadas pelo Banco Central.

A submissão de determinado título ou contrato ao regime legal dos valores mobiliários pressupõe a existência dos seguintes elementos essenciais: (a) a sua caracterização como modalidade de investimento coletivo, isto é, o fato de ser destinado a circular em massa, perante uma pluralidade de investidores; (b) o fornecimento de recursos, em dinheiro ou outros bens suscetíveis de avaliação econômica, por parte do investidor para o emissor do título ou contrato; (c) a gestão dos recursos por parte de terceiros, não controlando o investidor o negócio no qual seus recursos foram empregados; (d) o fato de tratar-se de um empreendimento comum, cujo sucesso é almejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente; (e) a expectativa do investidor em participar diretamente dos lucros resultantes do empreendimento comum gerido pelo empreendedor ou por terceiros, e (f) a circunstância de o investidor partilhar os riscos do empreendimento no qual ele deseja participar, que são diversos dos riscos meramente comerciais ou de crédito.

A CCB manifestamente não atende aos requisitos necessários para a caracterização da figura do “contrato de investimento coletivo”, previsto no artigo 2º, do inciso IX, da Lei n° 6.385, de 1976.

A criação das CCBs não pressupõe a existência de um “empreendimento” por parte do devedor

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Primeiramente, a criação da CCB não pressupõe a existência de um “empreendimento” por parte do devedor, uma vez que ela pode ser emitida para representar qualquer espécie de crédito detido pela instituição financeira, independentemente de sua origem.

Na emissão da CCB não se verifica, em regra, o requisito de que o investidor, em contrapartida pela aquisição do título, está entregando recursos para viabilizar o desenvolvimento de determinado empreendimento por parte do emissor. Ao contrário, no caso da CCB, a entrega dos recursos pela instituição financeira precede a emissão do título, o qual apenas visa a representar o crédito concedido, a fim de facilitar sua cobrança e circulação.

Em segundo lugar, a expectativa do recebimento de “lucros” por parte do titular da CCB, inerente a qualquer investimento financeiro, não decorre diretamente dos resultados gerados pelo empreendimento gerido pelo devedor, mas tão somente da taxa de juros cobrada pela concessão do empréstimo.

O titular da CCB, ao contrário do que ocorre com aquele que investe em valores mobiliários, não está assumindo os riscos do empreendimento eventualmente desenvolvido com os recursos por ele emprestados, tanto que a remuneração prevista na cédula continuará a lhe ser devida ainda que o empreendimento não seja bem-sucedido.

Diante disso, não existe, no caso da CCB, qualquer comunhão de interesses envolvendo o devedor e a instituição financeira tomadora do título em torno do sucesso de um determinado empreendimento.

Os adquirentes das CCBs pretendem, simplesmente, aplicar seus recursos em uma relação jurídica de natureza creditícia, na qual, não estão presentes os elementos necessários à caracterização dos contratos de investimento coletivo. Portanto, as CCBs não constituem “contratos de investimento coletivo” e, conseqüentemente, não estão sujeitas à aplicação das regras previstas na Lei n° 6.385, de 1976 e na regulamentação administrativa editada pela CVM.

Deve a CVM regulamentar registro das emissões de CCBs? Como diria o célebre personagem Bartleby, o escrivão de Wall Street, do conto de Herman Melville: “Acho melhor não”.

Nelson Eizirik é sócio do Carvalhosa e Eizirik Advogados, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Valor Econômico – 25.02.08

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