A evolução da consensualidade no Direito Administrativo brasileiro

Publicado originalmente

Por Felipe Herdem Lima

A consensualidade não é fato novo no Direito Administrativo brasileiro, exemplo disso é a previsão do Decreto Lei 3.365/1941, que trata sobre o processo de desapropriação amigável. O decreto prevê expressamente a possibilidade de acordo entre a Administração (expropriante) e o expropriado quanto ao valor da indenização. Caso não se chegue a um consenso em relação ao valor, poderá a administração ajuizar uma ação de desapropriação para um arbitramento judicial.

Seguindo uma linha cronológica, o Decreto 94.764/1987 modificou a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e a Lei de Estações Ecológicas e Área de Proteção Ambiental (Lei 6.902/1981), inovando ao prever a possibilidade de celebração de termo de compromisso, com a possibilidade de redução da multa em até 90% do valor original. Nesse ponto, merece destaque a conclusão de Juliana Bonacorsi Palma de que, nesses casos, não há substituição da multa pela via do acordo, mas, sim, a disciplina do exercício da prerrogativa sancionatória pela autoridade ambiental, a qual a emprega de forma menos incisiva, mediante o cumprimento das obrigações cominadas bilateralmente ao infrator. Está-se, portanto, diante de um acordo integrativo: o ato imperativo e unilateral, que se mantém, é conformado por medidas consensuais voltadas a resultados outros que não a repressão do infrator, como a cessação e a recomposição da área degradada [1].

Mudança significativa ocorreu na década de 1990, quando houve uma crescente abertura normativa para a consensualidade [2], que se intensificou a partir da primeira metade de 2000, movimento que, para alguns, pode ser justificado por conta do poder normativo das agências reguladoras [3]. Para fins de compreensão desse movimento de abertura normativa para a consensualidade, é necessário contextualizar o cenário nacional à época. Como destaca a literatura, a década de 1990 foi marcada por um debate em torno da celeridade e da eficácia do processo, ganhando força e projetando-se como relevante pauta de alteração de leis penais, processuais civis e administrativas, determinando, portanto, reformas legislativas para a positivação de termos de compromissos, termos de ajustamento de condutas, mediação, conciliação e arbitragem [4].

Nesse sentido, Juliana Bonacorsi Palma utiliza, como exemplo representativo dos debates da década de 1990, a Lei nº 9.099/1995, que instituiu os juizados cíveis e criminais. Além de conferir um arcabouço institucional que favorece a celeridade e eficácia do processo (causas cíveis de menor complexidade, prazos reduzidos etc.), a lei em questão trouxe os importantes institutos da conciliação e o da transação penal. Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 22/1999 acrescentou o parágrafo único do artigo 98 da Constituição, determinando a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, conferindo sede constitucional para a conciliação e transação. Em 2001, foi criada a Lei nº 10.259, que institui os juizados especiais cíveis e criminais da Justiça Federal, compartilhando da mesma preocupação com a celeridade e eficácia processual.

Em 1991, a já revogada Lei nº 8.197 trouxe, em seu artigo 1º, a possibilidade de transação judicial envolvendo a Administração federal direta e indireta. A lei em questão foi revogada pela Lei nº 9.469/1997, que tratou do tema, em seu artigo 1º, de forma mais detalhada e técnica, além de tratar não só da transação judicial, mas, também, da não propositura de ações e a não interposição de recursos. Entretanto, a Lei nº 11.941/2009 trouxe um maior rigor aos acordos judiciais disciplinados pela Lei nº 9.469/1997, estipulando que somente o advogado-geral da União e os dirigentes das empresas públicas federais poderiam celebrar acordo judiciais em causas com valor de até R$ 500 mil.

Nesse cenário evolutivo, a Lei 13.140/2015 tratou da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, tratando especificamente em sua seção II dos conflitos que envolvam a Administração Pública federal direta, suas autarquias e fundações, estipulando que as controvérsias jurídicas que envolvam a Administração Pública federal poderão ser objeto de transação por adesão com fundamento em: 1) autorização do advogado-geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; 2) parecer do advogado-geral da União, aprovado pelo presidente da República.

Merece destaque o artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, estabelecendo um permissivo genérico à celebração de compromissos de ajustamento de conduta. Como observa Juliana Bonacorsi Palma, “trata-se de relevante inovação normativa, que viabiliza a celebração de acordos pela Administração Pública direta e indireta sem se limitar a esfera judicial — pelo contrário, sua importância está em autorizar a administração a atuar de forma concertada fora do âmbito do Poder Judiciário, mediante termos de ajustamento de conduta (TACs)” [5].

Por fim, é possível concluir que o incremento da utilização dos mecanismos de consenso aqui citados e outros existentes em nosso ordenamento representam um abandono de um viés autoritário em benefício de um viés democrático, ante a participação mais efetiva dos destinatários dos atos da administração em sua elaboração.

Em sentido semelhante, é importante destacar que o aumento da participação administrativa, em especial em relação à abertura procedimental, torna o processo mais harmônico e eficiente, já que permite que o interesse público dialogue com a satisfação de outros interesses privados envolvidos, além de conferir uma maior transparência e legitimidade.

 

[1] PALMA, Juliana Bonacorsi. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2015 cit. p. 191.

[2] Ibid. p. 192.

[3] Id.

[4] Id.

[5] PALMA, Juliana Bonacorsi. Op. cit. p. 197-198.

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